Uma das abordagens conceituais mais interessantes sobre a Amazônia é a dos cientistas que estudam a Geoecologia, que é uma disciplina situada nos limites entre a Geografia, a Ecologia, a Geomorfologia e a Geologia. Estudiosos como o Prof. Aziz Ab’Sáber, professor emérito do IEA/USP (Instituto de Estudos Avançados / Universidade de São Paulo) e um dos maiores conhecedores das múltiplas realidades regionais brasileiras, definem que a Amazônia é um grande Domínio de Natureza. Em outras palavras, ela corresponde a um sistema paisagístico dotado de inúmeros tipos de ecossistemas, ainda bastante desconhecidos em sua totalidade.
A idéia de domínio de natureza funciona da seguinte forma: cada indivíduo (ser vivo) quando convive com outros de uma mesma espécie formam uma população. À junção de populações de espécies diferentes denomina-se comunidade, que mostra a relação entre os seres vivos (por exemplo: um canário que habita um ipê amarelo e se alimenta de alguns insetos que ali também residem). As comunidades quando dependem de elementos não-vivos (água, ar, fogo, gelo, relevo, solo, clima, etc.) e manifestam essa dependência para a manutenção da vida formam um ecossistema, que é uma unidade ecológica local. Os vários ecossistemas locais agrupados e estabelecidos em equilíbrio dinâmico formam um mosaico regional de paisagens (ou região natural).
O conjunto dos mosaicos regionais de paisagem forma um bioma (meso-região natural). Ao conjunto de biomas compreende-se um Domínio de Natureza. Geralmente ele abarca áreas que são maiores que 100.000 km2 e possuem graus diferentes de alterações humanas, como veremos mais adiante. Porém, destacamos a importância desta idéia, pois, embora ela seja bastante extensa (em termos de abrangência espacial), essa macro-unidade geoecológica depende de cada espécie que a compõe. A ausência do anajá, por exemplo, pode causar uma grande perturbação ambiental de todo dominínio.
Os domínios de natureza são equivalentes aos domínios morfoclimáticos, ou seja, os espaços naturais originados pela ação conjunta dos fatores climáticos e geológicos, que configuraram formas de relevo diferentes em cada parte da superfície do Planeta. Essas regiões naturais são denominadas também de domínios fitogeográficos, pois representam a extensão de um tipo de formação vegetal dominante sobre um espaço de dimensões consideráveis (aqueles mais de 100.000 km2).
Segundo o Prof. Ab’Sáber (2006), a Amazônia, como um domínio morfoclimático (ou de natureza), possui uma extensão total de aproximadamente 2,5 milhões de km2 e abrange uma grande concentração de planícies que passam por processos de inundação na época das cheias, o que ajudou no estabelecimento do maior conjunto de rios de todo mundo: a famosa Bacia Hidrográfica Amazônica. Dentro desse domínio de natureza (bioma), encontra-se uma grande diversidade de tipos de florestas, sendo errado, portanto, denominar a área de “Floresta Amazônica”, já que, em virtude da grande diferenciação dos tipos de vegetação, de região para região, existem diferentes padrões de Florestas Amazônicas.
Para os geógrafos ao geral, existem dois conceitos principais que contextualizam a Amazônia. O primeiro é a Amazônia Legal, que corresponde a uma parcela territorial que abrange, dentro do território brasileiro, todos os estados que contêm características físicas e ecológicas das florestas e demais ecossistemas amazônicos. As macro-regiões brasileiras enquadradas são: Norte (AC, AM, AP, PA, RO, RR e TO), Nordeste (MA) e Centro-Oeste (MT).
O segundo é a Amazônia Internacional, que é a região representada pelos países sul-americanos que possuem territórios dominados pelas características amazônicas (também físicas e ecológicas) e engloba o Brasil, a Bolívia, o Peru, a Colômbia, a Venezuela, a Guiana, o Suriname e a Guiana Francesa. Sua abrangência, portanto, transcende a existência de um país apenas e necessita de convênios multilaterais para a preservação e conservação do bioma.Entretanto, o que deveria ser uma força, transformou-se em empecilho.
As guerrilhas existentes na Colômbia, por exemplo, acabaram por diminuir a soberania nacional daquele país, implicando em intervenções internacionais, principalmente dos EUA. O tráfico de pedras preciosas no Suriname e Guiana Francesa originou uma pressão do continente a uma maior fiscalização desses países, o que proporciona um aviltamento das condições de vida da população.
O tráfico de drogas e armas entre o Brasil, a Colômbia, a Venezuela e as Guianas é outro grande impedimento, pois acaba por estabelecer um enfraquecimento das fronteiras nacionais, bem como da implementação dos problemas sociais, principalmente urbanos desses territórios. Vejamos bem, a falta de fiscalização nas fronteiras amazônicas pode levar ao caos social urbano em São Luís (MA), Goiânia (GO), Curitiba (PR), São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ), por exemplo.
Ante o exposto, há um grandioso risco de desestabilização continental caso não haja nenhuma orientação para a resolução de problemas relativos à ocupação e uso dos espaços florestados amazônicos. A ausência dessa temática na pauta emergencial dos governantes, em especial os brasileiros, levou ao desejo de internacionalização da Amazônia, que é capitaneado às escuras pelos EUA. Em outras palavras, ao se internacionalizar esse Dominío de Natureza, ele se transformará em algo parecido com a Antártica (o continente gelado), que não é de nenhuma nação, mas de "todas" aquelas capazes de explorá-la com tecnologia adequada. Contudo, o interesse internacional é de proporcionar uma “quebra” legal da soberania nacional, em que pese a brasileira, para a utilização de seus recursos ambientais. Nisto, o Governo Brasileiro ajuda bastante, não dando à região o real valor que ela exige.
Já o conceito econômico tem uma importância fundamental para a compreensão dos “jogos de interesses” existentes tanto na região, quanto sobre a região. Ele está intimamente relacionado às especulações sobre quais podem ser as potencialidades econômicas amazônicas, quem estaria envolvido, bem como quais são os principais interesses externos referentes àquela região. No entanto, muitas podem ser as interpretações, mas os fatos reais necessitam ser visitados para uma melhor compreensão das articulações referentes aos usos múltiplos da área. Eles são apresentados a seguir:
a) O interesse externo pela biodiversidade (conjunto dos seres vivos) amazônica é muito expressivo. Isso move atividades ilícitas como o contrabando de animais silvestres, plantas medicinais e sementes, estes dois últimos movidos pelos interesses de indústrias farmacêuticas;
b) A pressão geopolítica pela internacionalização da Amazônia é tão massiva, que forçou o frágil Governo Brasileiro a “ceder” às estratégias do “grande capital”, dando concessão de uso de glebas no meio das florestas a quem se dispor a pagar por elas, o que implica numa utilização de todos elementos físicos e ecológicos presentes na área ocupada, sem real pagamento de insumos produtivos ao Brasil (valor de negociação do patrimônio genético do domínio de natureza);
c) Aculturação de nações indígenas, o que leva à perda de traços essenciais para a compreensão de como os humanos se distribuíram pelo continente Sul-americano. Esse processo de “transformações” culturais leva a uma marginalização imposta pela nossa sociedade, bem como responde por genocídio de nações inteiras, como uma simples catapora (que dizimou mais de 1.200 pessoas em poucas semanas, em 2001, no estado do Amazonas), doença, como inúmeras outras, que não existem entre os indígenas e por isso os mesmo não possuem anticorpos (proteções naturais dos organismos contra determinadas doenças) contra elas, levando ao óbito;
d) Exploração madeireira ilegal, o que tem propiciado uma significativa perda de biodiversidade amazônica. Os pesquisadores Lentini, Veríssimo e Sobral publicaram, em 2003, o trabalho “Fatos Florestais da Amazônia”, o qual é uma expressiva contribuição ao reconhecimento dos problemas ligados à exploração madeireira. Os autores comentam que a extrema retirada de madeira, gerando frentes de desmatamento, principalmente nas partes Leste (Pará e Maranhão) e Sul (Mato Grosso) da Amazônia Legal, proporcionaram a condução dessa atividade para áreas mais centrais da Amazônia, o que aos poucos vai gerar verdadeiras “ilhas de devastação”, implicando em rupturas dos sistemas ambientais, gerando mudanças das mais diversas, muitas vezes irreversíveis.
Os problemas econômicos que giram em torno da Amazônia advêm do errado conceito de que ela é uma “fonte inesgotável de recursos”. Essa concepção tem orientado atividades ecusas, predatórias, como as já expostas, e não contribuíram em nada para a aplicação dos conceitos de sustentabilidade socioambiental. Isso ocorre por duas situações, em especial: o ato de não se saber (ou querer) diferenciar elementos ambientais de recursos ambientais, respectivamente significando todo e qualquer elemento natural e ecológico que naturalmente se estabeleceram em uma região; de forma complementar, a partir do momento em que se fala de recurso, deve-se ter em mente que essa concepção representa os elementos ambientais que passam a ter um valor de uso (que pode ser cultural, espiritual, sociológico ou mesmo de subsistência) e de troca (que sustenta as atividades econômicas, principalmente as capitalistas).
A segunda situação é expressa pelo descaso de governos, em todas as instâncias, que consideram ser “desenvolvimento” sinônimo lógico de “desmatamento”. Essa concepção é, no mínimo, absurda! Infelizmente, é o que orienta, por exemplo, o atual Governo Federal a escamotear o processo de arrendamentos de terras amazônicas para especuladores dos mais diversos tipos para usufruírem e legitimarem a extração descontrolada de elementos ambientais, que passam a sustentar a economia externa, em nada beneficiando o Brasil, ou mesmo os municípios em que as atividades de exploração se encontram.
Sobre a questão do desmatamento, os dados atuais mostram uma triste realidade para a região, ao demonstrar o ritmo acelerado de devastação florestal pelo qual passam os estados que compõem a Amazônia Legal, retratando apenas os anos de 1998-2002, o que embora seja um lapso de tempo relativamente curto, mas as implicações nos elementos físicos e ecológicos podem levar a mudanças ambientais bruscas, que se repercutirão sobre as diversas sociedades por igual, sejam elas aquelas que depredam a natureza, sejam as que a utilizam de forma racional.
Ante o exposto, o Prof. Aziz Ab’Sáber (2004) argumentou que não haverá desenvolvimento da Região Amazônica sem que haja uma orientação de estudos multidisciplinares sobre o espaço total da região. Esse processo responderia por “Zoneamento Ecológico-Econômico”, sendo necessário para toda e qualquer formulação de planejamentos territoriais e estabelecimento de políticas públicas para a Amazônia, vista em sua totalidade física, ecológica e humana.
Entretanto, para que haja um correto encaminhamento dessa proposta científica, ambiental e social, faz-se necessário desenvolver uma reflexão aprofundada do valor que os elementos que formam esse magnífico domínio de natureza tem para o homem local, as organizações humanas regionais, para o Brasil e para o Mundo, em todos os sentidos e aspectos, conduzido por um processo coletivo de sensibilização sobre os males socioambientais historicamente estabelecidos na região, desde os períodos ligados à extração do látex dos seringais, até a era da devastação incontrolada, originária nos fins da década de 1950, com a construção da Belém-Brasília e que persiste até a atualidade.
Sem uma correta avaliação dos potenciais da biodiversidade amazônica, aliada à coerente utilização de elementos naturais, não haverá condições necessárias para uma boa disposição de planos e políticas de ordenação das atividades econômicas locais e regionais. Entretanto, deve-se considerar que essas estratégias devem se orientar, sim, para a sustentação da economia nacional, mas que possam promover melhorias de condições de vida dos povos amazônicos, historicamente sofridos e sem muitas perspectivas.
Luiz Jorge Dias
Geógrafo - MSc. Sustentabilidade de Ecossistemas
Prof. Geografia Fìsica - UEMA\CESI\DHG