quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

REFLEXÕES SOBRE O PROFISSIONAL DE GEOGRAFIA HOJE

A Geografia, por ser uma ciência que estuda as interações entre os componentes físicos, ecológicos e humanos existentes em um dado espaço, precisa sempre estar “conectada” aos avanços metodológicos, epistemológicos e conceituais que as suas disciplinas e ciências afins passam ao longo do tempo. No entanto, isso não tem sido feito com a rapidez necessária, mesmo perante a reformulação constante de abordagens, teorias e postulados, conceitos, procedimentos teórico-metodológicos e campos de atuação. Ademais, àquilo são adicionados aspectos ideológicos atinentes à própria concepção “moderna” da Ciência Geográfica, o que proporciona uma reflexão inversa e particularizada de apenas setores isolados que compõem a realidade.

Existem dois entraves particulares à Geografia que proporcionam com que ela seja relegada a um “escalão inferior no hall das ciências”: o primeiro diz respeito à sua abordagem nos estudos aplicados aos níveis fundamental e médio, em que a Ciência Geográfica é conhecida por um estereótipo crítico – “matéria-decoreba”, pois ainda se preocupa bastante com o ato de decorar conteúdos expostos, destacando-se nomes de lugares, de “acidentes geográficos”, de capitais, datas e coisas do gênero; não se concebem relações, como ela epistemologicamente propõe.
Já o segundo entrave é mais sintomático, pois envolve um histórico de conflitos ideológicos dentro das pesquisas acadêmicas, oriundas, ainda, do século XIX – a dicotomia da Geografia. De um lado, geógrafos ligados às ciências naturais, tentando converter a Geografia para o campo das práticas naturalistas, destacando aspectos físicos (naturais) e ecológicos (ou bióticos) das paisagens. De outro, a filosofia, a antropologia, a economia, a sociologia e a política puxam aquela ciência para uma visão mais crítica e aprofundada dos problemas sociais, destacando os sistemas produtivos opressivos como responsáveis diretos das mazelas pelas quais passam culturas e sociedades inteiras, do local ao global. Entretanto, di per si ambas por serem fragmentadas são incompletas e chegam a ser “caolhas”, ou seja, têm uma perspectiva unilateral da realidade.

Esse conflito de idéias se tornou mais acirrado com o movimento da Geografia Quantitativa (fins da década de 1950 e anos 1970), que propunha a naturalização e matematização da nossa Ciência, não destacando o homem como componente de paisagens e espaços; e com a Geografia Nova (a partir dos fins de 1970), em que a Geografia perdeu literalmente os componentes físicos e ecológicos, transformando-se em uma ciência-acessório às outras da área humana.

Em ambos os casos, por epistemologicamente a Geografia não dominar isoladamente análises de aspectos físicos, ou biótico-ecológicos e/ou humanos, o profissional saiu perdendo. Conseqüência: os geógrafos passaram a ser credenciados, socialmente, como “metafísicos do espaço” ou “teoréticos ao extremo”, o que se estende aos licenciados. Ademais, houve uma drástica perda de mercados e postos de trabalho para outros profissionais que, com um grande corporativismo e visão mais integrada das “partes” dos sistemas ambientais, acabaram por tomar para si parcelas significativas das atividades profissionais (inclusive as estabelecidas pela Lei – ver regulamentação de nossa profissão) que deveriam ser exercidas por geógrafos.

Em uma perspectiva atual, nada mais justo e necessário do que se voltarem as pesquisas geográficas para uma visão mais abrangente, sem deixar de ser específica, com holismo e críticas necessárias para o bom andamento dos diagnósticos, prognósticos e reflexões conceituais que possam vir a surgir no desenvolvimento das atividades profissionais do geógrafo ou do licenciado em Geografia.

É conveniente lembrarmos que um dos maiores destaques científicos, na atualidade, se encontra no enfoque dado às problemáticas ambientais, o que é justificado pelas perturbações que o homem causa e/ou potencializa sobre os diversos ambientes da Terra, no intuito de (re) produzir espaços. As atividades humanas passam a ser danosas ao equilíbrio dos geossistemas e, por conseqüência, de ecossistemas particularizados, o que pode, ao longo do tempo, implicar em irreversibilidade da sua constituição pré-perturbada.

A questão ambiental, portanto, é, de perto, um convite sério ao exercício da capacidade científica de transversalização de temáticas e abordagens, que possam vir a confluir numa perspectiva de análise integral sobre uma certa realidade, o que leva ao reconhecimento mais coerente e coeso das inter-relações existentes entre as sociedades, os elementos naturais e os ecológicos. E isso é o que fazem geólogos, biólogos, agrônomos, oceanógrafos, engenheiros das mais diversas especificidades, arquitetos e urbanistas, turismólogos, químicos e cartógrafos, obviamente dependendo da área (subentenda-se: espaço) as quais se cingem fenômenos interagentes passíveis de estudos articulados numa perspectiva abrangente, mesmo que partindo de análises reducionistas.

Agora, vejamos bem: uma das principais características epistemológicas da Geografia é o real entendimento das relações e associações existentes entre os elementos físicos e ecológicos (ou elementos naturais) e as atividades humanas, numa combinação de ações que configuram continuamente espaços. Desse modo, a Ciência Geográfica se encontra num campo privilegiado de ações e de campos de análises que concorrem para o ótimo reconhecimento do espaço e de sua composição, bem como de sua natureza e sistemas associados, de suas lógicas econômicas e de distribuição populacional, dos processos de formação territorial (temporalmente estabelecidos), das dinâmicas de conversão de elementos naturais em recursos, dentre outros, que ajudam a elaborar propostas coerentes de cenários passados e futuros e nortear planejamentos e tomadas de decisão.

Entretanto, indagamos: por que a Geografia, mesmo com todo esse “arsenal” profissional, ainda é subestimada nos diagnósticos e prognósticos ambientais? O que ocasionou a perda de mercado de trabalho desse profissional para outros especialistas, como aqueles já mencionados no corpo desse texto? Metodológica e conceitualmente, o que nos falta para uma inversão desse processo? São perguntas que ainda levarão tempo para respondermos... Isso se nos ativermos apenas ao ato de pensar, mas o ideal é pensar e agir pensadamente.

Luiz Jorge Dias
Geógrafo - MSc. Sustentabilidade de Ecossistemas
Prof. Geografia Fìsica - UEMA\CESI\DHG

Um comentário:

  1. Muito Interessante Professor a sua abordagem sobre o papel do Geógrafo no Mercado de Trabalho. Percebemos o quanto essa fragmentação interfere num estudo mais preciso de determinado tema, sendo que a visão do todo fica distorcida e/ou reduzida...

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