quarta-feira, 22 de abril de 2009

A COMPREENSÃO DO MODELADO TERRESTRE: alguns argumentos conceituais

Prof. Luiz Jorge B. Dias
Geógrafo - MSc. Sustentabilidade de Ecossistemas
Professor de Geografia Física - UEMA\CESI\DHG


Segundo Santos (1999, p. 83), a paisagem é a “porção da configuração territorial que se pode abarcar com a visão”. Em outros termos, é tudo que se pode ver, ou seja, é um cenário, um resumo da realidade, sem o qual não se podem desenvolver análises mais detalhadas sobre um dado território, um certo espaço. Ab’Sáber, (2003, p. 09) a considera como uma herança em todos os sentidos (físicos, biológicos e humanos).

Portanto, a paisagem é uma junção de objetos (rios, mar, formas de vegetação, relevo, ocupações humanas, dentre outros elementos) sobre os quais são atribuídos valores de uso e/ou troca, correspondendo a uma potencial forma de se adquirir, mesmo que apenas de forma visual, uma parcela do território, ajudando a configurar o espaço. Em se tratando deste último conceito (território), Ab’Sáber (2004a, 98) atribui uma concepção mais abrangente ao retratá-lo enquanto espaço total, ou seja, uma unidade analítica que melhor abarcaria as formas de se conceber os processos ocorridos ou ocorrentes em determinada porção areal. Em suas palavras, "[...] há algum tempo, porém, o vocábulo (espaço total) tem sido utilizado para um fragmento do território regional que pode ser visto no contexto do presente, como resultado de uma longa elaboração histórica. (...) Todo espaço regional é fruto de uma história geológica, geomorfológica, pedológica e hidrológica, modificada por sucessivas formas de atividades antrópicas; às vezes bastante perturbadoras [...]".

Sobre tais considerações, Ab’Sáber (2003) correlaciona os domínios geológico-geomorfológicos àqueles de caráter fitogeográficos, onde se configura a análise das paisagens brasileiras em função da compreensão dos seguintes elementos: relevo, vegetação, hidrografia, solos e climas. Isso tudo, em concatenação, deriva uma melhor explicação do espaço enquanto uma totalidade, em função de planejamentos e potenciais formas de uso e aproveitamento dos recursos disponíveis à sociedade, de forma equilibrada, promovendo um desenvolvimento socioambiental. Ademais, é este o caráter analítico em termos de geomorfologia ambiental, que abarca tanto os caracteres físicos, quanto biológicos e humanos existentes na superfície da Terra.

A configuração geomorfológica é uma das parcelas mais notáveis do espaço total, devendo ser compreendida em função, ao primeiro momento, de sua esculturação e estruturação litológicas e estratigráficas (conforme os ambientes geológicos de onde se encontram – e se assentam – tais formações); e em um segundo momento, de suas porções superficiais, representadas pelas variações pedológicas, estratos botânicos (cobertura vegetal), condicionantes (elementos) de tempo e clima, hidrografia e distribuição de vertentes e seus respectivos canais de escoamento de fluxos e áreas de estocagem hídrica, além da antropogênese, ou seja, dos elementos homem/sociedades enquanto agentes de modelagem e de transformação do meio em função de tecnologias viáveis para a apropriação (ou criação) de novos espaços, a fim de se estabelecer novos elementos a serem enquadrados em índices econômicos (valores) de uso e troca de terra ou solo.

Ross (2003, p. 26-27) ressalta que os conceitos que melhor fazem compreender o modelado terrestre são os de morfoestrutura e morfoescultura, os quais foram propostos por Mescherikov e Gerasimov, na Rússia (entre as décadas de 1940 e 1970). O primeiro conceito diz respeito à estrutura mórfica e geológica do terreno, geralmente referenciando-se a embasamentos estruturais (cristalinos e/ou sedimentares). Ademais, segundo a mesma referência, as plataformas (regiões cratônicas), as cadeias orogenéticas (sejam os maciços antigos ou modernos) e as bacias sedimentares (ou seja, áreas de diferentes idades e composições litoestratigráficas) são classificados como exemplos bem práticos de tais domínios geológicos. Ou seja, é impossível se analisar o relevo sem que haja uma inter-relação entre os fatos geomorfológicos e as ações geológicas e climáticas nele atuantes.

Ross (2001, p. 33-35) considera, ainda, este elemento analítico e seus respectivos domínios pela denominação de “macroformas estruturais”, que condiz com a sua classificação, suas formas e disposições, o que entra em consonância com as propostas de Ab’Sáber (2001), ao retratar a necessidade de se conceber estudos integrados de megageomorfologia, ou seja, reconhecer integralmente os caracteres intrínsecos do modelado terrestre em determinadas porções territoriais, sejam elas de pequenas, médias ou grandes extensões territoriais. No entanto, ao passo que se conhece tais fatos em escalas mais contingentes, necessário se fazem desenvolvimentos de estudos sobre as realidades regionais (mesoescalares), haja vista o caso da Baixada Maranhense, uma célula espacial que abrange quase 10% do território estadual.

As macroformas estruturais se relacionam, pois, ao aspecto escultural do relevo, ou seja, à “disposição” que determinada região (ou província geológica, em função de suas formações e configurações litológicas) tem de se modelar conforme os domínios climáticos locais ou regionais, gerando formas diferenciadas, em diferentes áreas de cobertura climática, isto, obviamente, através do tempo geológico. O conceito de domínios morfoclimáticos dá ênfase maior a tal concepção analítica, a morfoescultura, já que este trabalha a ação do clima sobre o relevo, seu processo de desgaste, intemperização, erosão e deposição sedimentar. Em outros termos, "[...] o conceito de morfoescultura volta-se, portanto, às feições do relevo produzidas ma terra pela ação dos climas atuais e pretéritos e que deixam marcas na superfície do terreno, específicas de cada processo dominante. (...) Isso significa que sobre uma determinada morfoestrutura pode-se encontrar uma ou mais unidades morfoesculturais, ou, ao contrário, em duas ou mais unidades morfoestruturais pode-se encontrar apenas uma unidade morfoescultural [...]" (ROSS, 2003, p. 40).

O processo de morfodinâmica (dinâmica do modelado geomorfológico) de paisagens em função de denudações de terrenos e seus conseqüentes processos de morfogênese (origem das formas) e pedogênese (origem de tipos diferenciados de solos) tendem a ser mais significativos em regiões intertropicais, principalmente úmidas e superúmidas; no entanto, há de se ressaltar que, para efeitos de uma abordagem compreensiva e integral sobre o modelado em domínios climáticos diferenciados, deve-se concatenar tanto elementos de ordem morfoesculturais, quanto morfoestruturais.

Davis (1991) explica a configuração morfogenética do relevo terrestre em regiões de clima úmido através de uma análise do desenvolvimento de uma morfogênese diferencial, válida, indubitavelmente, em domínios geológicos sedimentares, mas refutável em se tratando de áreas que compreendem relevo de maciços cristalinos antigos (ao menos na variação temporal prevista pelo citado autor: 200 M.A – milhões de anos). Esta abordagem seguramente pode conduzir a concepções acerca do desenvolvimento de redes fluviais, em função de ajustamentos litológicos, entalhando morfologicamente frações diferenciadas do substrato geológico-geomorfológico.

Ademais, há, com isto, um ajustamento de vales, acompanhado de um recuo de cabeceiras de drenagem, em função de um ciclo erosivo remontante e contingente, que pode conformar, ainda, modelados de vertentes heterogêneos. Isto tudo se baseia em um aparato climático embasando as formações geomorfológicas. A isto Davis (1991) se referenciava como ciclo geográfico. Christofoletti (1980) explana este conceito na tentativa de mostrar como se deve compreender as teorias de cunho geomorfológico. Seguindo a mesma linha de raciocínio, De Martonne (1991) segue a vertente da geomorfologia climática proposta por Davis e desenvolve ainda mais as formas como o clima modela a paisagem e interfere nos domínios vegetais. Ademais, tal autor considera o “clima como fator do relevo”.

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