sexta-feira, 30 de abril de 2010

MMA coloca em ação planos para salvar bioma único e vulnerável

27/04/2010
Carine Corrêa

Cenário de histórias de cangaço, reino de Lampião e dos heróis sertanejos de Ariano Suassuna, terra de ritmos como o xote, o xaxado e o baião, a Caatinga está presente no imaginário popular brasileiro como um local seco, quente, inóspito e de vegetação esquisita. Poucos conhecem as riquezas ambientais da região que abriga 13 milhões de pessoas, está presente em 10 estados brasileiros e contém grande variedade de espécies e ambientes naturais.
O bioma que apresenta belezas sutis e histórias de resistência tem pouco o que comemorar e corre o risco de se extinguir. Único bioma exclusivamente brasileiro, a Caatinga só possui atualmente metade de sua cobertura vegetal original.
Em 2008, a vegetação remanescente da área era de apenas 53,62%. O monitoramento do desmatamento no bioma, realizado entre 2002 e 2008, revela que, neste período, o território devastado foi de 16.576 km2, o equivalente a 2% de toda a área. A taxa anual média de desmate na mesma época ficou em torno de 0,33% (2.763 km²).
O índice é considerado alto por especialistas e técnicos do MMA, pois a região figura como a mais vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas, com forte tendência à desertificação. De acordo com os dados do monitoramento, a principal causa da destruição da Caatinga é a extração da mata nativa para ser convertida em lenha e carvão vegetal. O combustível é destinado principalmente aos pólos gesseiro e cerâmico do Nordeste e ao setor siderúrgico de Minas Gerais e do Espírito Santo.
A economia do carvão vem apresentando crescente demanda, fator que leva a níveis de desmatamento só comparáveis aos da Amazônia em seus momentos de pico, quando os programas de redução começaram a ser implementados. Outros fatores apontados foram as áreas criadas para biocombustíveis e pecuária bovina. "Para reverter a situação é importantíssimo pensarmos em uma matriz energética diferente para a região, como energia eólica, gás natural e pequenas centrais hidrelétricas", explica o diretor do Departamento de Políticas de Combate ao Desmatamento do MMA (DPCD), Mauro Pires.
PPCaatinga

Para combater a crescente devastação na Caatinga, o DPCD atua em parceria com o Núcleo Caatinga da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do MMA (SBF) e conta om apoio do Ministério do Planejamento na elaboração do Plano de Ação Interministerial para Prevenção e Controle do Desmatamento na Caatinga (PPCaatinga). A proposta pretende integrar e articular iniciativas dos diversos órgãos dos governos federal e estaduais para implementar ações como o combate e controle do desmatamento e o fomento a atividades sustentáveis.
O PPCaatinga está sendo elaborado ainda por equipes do ICMBio, Ibama, ministérios da Integração, do Desenvolvimento Agrário, de Minas e Energia, e órgãos como a Funai, Embrapa, Incra, e Sudene. Os próximos passos serão o estabelecimento de programas, políticas e de um plano operativo para conter ações, metas, recursos e prazos.
Mauro Pires defende a elaboração de um modelo próprio, adaptado à situação da Caatinga, que aproveite a experiência adquirida no Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, responsável pela redução em 40% da média do desmatamento nos últimos 10 anos naquela região.
O padrão de desmatamento observado na Caatinga é pulverizado, o que dificulta as ações de combate à prática. Segundo Luciano Menezes, diretor de Proteção Ambiental do Ibama, o monitoramento tem sido fundamental para a elaboração de um plano de combate ao desmatamento e de mitigação de seus efeitos. Por determinação da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, o PPCaatinga deve sair do papel até o final deste semestre.
Entre as ações de mitigação previstas, estão incluídas a recuperação de solos e microbacias, o reflorestamento e as linhas de crédito para combate à desertificação. A tecnologia sustentável aliada aos conhecimentos tradicionais do sertanejo no trato com o bioma também podem ser fortes aliados no controle do desmate, de acordo com o diretor Mauro Pires.
Valorizar os produtos da sociobiodiversidade, criar mecanismos de financiamento de atividades sustentáveis e implementar o manejo dos recursos madeireiros e não madeireiros estão também entre as alternativas propostas.
O Ibama já planejou ações de combate ao desmatamento e ao carvão vegetal ilegal na região. A "Operação Corcel Negro", por exemplo, destinada ao combate de carvão ilegal na Caatinga e no Cerrado, foi a primeira grande ação neste sentido incluindo desde sua produção até o transporte. Para ser ter uma ideia, 20% das emergências ambientais do País ocorrem devido ao transporte irregular deste produto.
No ano passado, uma outra operação do Ibama resultou em multas e interdição de sete indústrias do pólo gesseiro de Pernambuco. Elas utilizavam madeiras nativas extraídas ilegalmente do bioma para a produção do gesso.
Desmatamento no bioma
Com uma área total de 826.411 km², a Caatinga ocupa cerca de 11% do País e está presente nos estados da Bahia, Ceará, Piauí, Pernambuco, Paraíba, Maranhão, Alagoas, Sergipe, Rio Grande do Norte e Minas Gerais. Os dois primeiros desmataram, sozinhos, a metade do índice registrado em todos os outros estados. Em terceiro e quarto lugar estão o Piauí e Pernambuco. O estado de Alagoas possui atualmente apenas 10.673 km² dos 13.000 km² da área original.
Os municípios que mais desmataram foram: Acopiara(CE),Tauá(CE), Bom Jesus da Lapa (BA), Campo Formoso(BA), Boa Viagem(CE), Tucano(BA), Mucugê(BA) e Serra Talhada(PE). Confira as taxas por estado e municípios nos links abaixo.
Ações de proteção

Estudos revelam que o Nordeste pode perder um terço de sua economia até o final do século com os efeitos do aquecimento global e da desertificação. Para amenizar o problema, o MMA tem buscado parcerias para a criação de fundos destinados à adaptação e à mitigação das mudanças climáticas, e ainda para o apoio à pesquisa.
Durante o I Encontro Nacional de Enfrentamento da Desertificação, realizado no último mês de marem Petrolina (PE) e Juazeiro (BA), o Banco do Nordeste apresentou a proposta de criação do Fundo Caatinga, com ações de proteção para o bioma e todas áreas suscetíveis à desertificação, como o semiárido. O fundo vai financiar propostas que garantam uma atuação mais efetiva no combate à desertificação - face mais cruel das mudanças climáticas , explicou o secretário de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável, Egon Krakhecke. O Banco do Brasil também tem a intenção de implementar o Fundo Contra a Desertificação.
Em dezembro do ano passado, o presidente Lula sancionou o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, com base no lucro derivado da atividade do petróleo, que deve contar com recursos entre R$ 700 milhões a R$ 1 bilhão para o combate às mudanças climáticas.
O MMA defende que metade desse orçamento seja destinada ao Nordeste, para ser aplicada em programas de adaptação e redução de emissões. O fundo é o primeiro no mundo a utilizar recursos do lucro da atividade petroleira para ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. A regulamentação do Fundo Clima será assinado no dia 5 de junho, durante as comemorações do Dia Mundial do Meio Ambiente.
Também está em fase de acordo com o governo do Piauí a criação da maior unidade de conservação da Caatinga, localizada entre as Serras Vermelha e da Confusão. A área terá cerca de 550 mil hectares e deve ser implementada ainda este ano. A criação de novas unidades de conservação é outro ponto indicado como fator importante para a proteção do bioma.
A secretária de Biodiversidade e Florestas do MMA, Maria Cecília Wey de Brito, explica que a Caatinga tem apenas 7% de áreas protegidas, somando-se áreas estaduais e federais, sendo que 2% são de proteção integral e os outros 5% são de unidades de conservação de uso sustentável. Ela também aponta a importância da Caatinga como habitat de espécies endêmicas (que só ocorrem em uma determinada região) em extinção, como a arara-azul-de Lear, além, de lagartos, anfíbios e pequenos roedores.
Em agosto, Fortaleza (CE) vai sediar a Conferência Internacional sobre Clima, Sustentabilidade e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas (ICID 18). O evento será realizado pelo MMA em parceria com as Nações Unidas. Considerada a primeira preparatória para a reunião sobre meio ambiente - Rio 20 -, em 2012, a ICID 18 vai reunir representantes de mais de 50 países para discutir, de maneira sólida e consistente, políticas públicas para o combate à desertificação no mundo.
Metodologia
O monitoramento foi elaborado por 25 técnicos contratados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD ) e por analistas ambientais do MMA e Ibama. Eles utilizaram como referência o mapa de cobertura vegetal do MMA/Probio (programa de levantamento da cobertura vegetal do Brasil que detectou as áreas de vegetação nativa e antropizadas até o ano de 2002), bem como imagens de satélite.
Foi ainda realizado um fórum técnico-científico para discutir os dados finais com especialistas em mapeamento da Caatinga. O detalhamento do mapa-base do Probio, em 2002, tinha uma escala de 1:250.000. Já o utilizado neste levantamento teve uma escala de 1:50.000. A precisão na identificação dos desmatamentos foi de 98,4%.
Até o final de 2010, o MMA pretende realizar o mapeamento e monitoramento dos cinco biomas brasileiros (cerrado, caatinga, pantanal, pampa e mata atlântica).
Exposição
O MMA e a ONG TNC promovem, nesta quarta-feira (28/04), Dia Nacional da Caatinga, a mostra "Expedição Caatinga", dentro do Congresso Nacional, em Brasília. Com fotos e vídeos produzidos pelo cineasta e biólogo Toni Martin, a exposição tem o objetivo de chamar a atenção dos políticos brasileiros para a importância da Caatinga e para a necessidade da criação de novas unidades de conservação (UC) no bioma.
A mostra pretende pressionar os congressistas para a criação de uma UC do Parque Nacional Boqueirão da Onça, que por enquanto está em fase de análise estadual e federal. A implantação do parque protegeria 862 mil hectares do semi-árido baiano e, ainda, auxiliaria no desenvolvimento sustentável da região.
A mostra ficará em exposição amanhã, das 8h às 12h, durante o café da manhã da Frente Parlamentar Ambientalista, está aberta ao público e é gratuita.
Mais informações sobre a Caatinga, acesse os portais:
http://www.mma.gov.br/portalbio
http://www.ibama.gov.br/csr
Textos extraídos do site: http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=ascom.noticiaMMA&codigo=5741. Acesso em: 30/04/2010.

INPE confirma queda recorde no desmatamento

O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) divulgou na quinta-feira (29) os dados consolidados do Prodes, o sistema que mede a taxa oficial de desmatamento. Entre agosto de 2008 e julho de 2009, a Amazônia perdeu 7.464 quilômetros quadrados de floresta, o equivalente a cinco municípios de São Paulo. Mesmo assim, esta é a taxa de desmatamento mais baixa já registrada desde que o país começou a monitorar a Amazônia com imagens de satélite, em 1988.

Trata-se de uma queda de 42% em relação ao biênio anterior (o “ano fiscal” do desmatamento é sempre medido de agosto a julho do ano seguinte). A notícia era esperada, por um lado, já que a previsão do Prodes, divulgada no ano passado, havia sido de 7.008 quilômetros quadrados. Mas frequentemente o número consolidado, que é calculado pelo Inpe alguns meses depois e se baseia num número maior de imagens, dá uma diferença para mais que pode ser significativa – no ano retrasado, por exemplo, a previsão era de empate em relação a 2007, mas houve um ligeiro aumento.

Desta vez, o número consolidado, baseado em 400 “cenas” (imagens) de três satélites, ficou bem na margem de erro estimada pelo Inpe. A queda mais expressiva (68%) foi observada em Mato Grosso, Estado do “ex-estuprador da floresta” e hoje neoambientalista Blairo Maggi. No Pará da petista Ana Júlia Carepa, o desmate caiu 24%. Ainda assim, é o mais alto da Amazônia, concentrando quase 60% de todas as derrubadas da região. A destruição acompanha o eixo da BR-163, onde o governo relaxou a vigilância após a interdição, em 2005, de 8 milhões de hectares para criação de unidades de conservação.

É nessa mesma região que se arma a próxima investida energética do governo, o complexo de usinas hidrelétricas do Tapajós. (Fonte: Claudio Angelo/ Folha Online)

quarta-feira, 31 de março de 2010

Formação Territorial Brasileira: As Bases das Ciências Humanas e Sociais do País

Prof. MSc. Luiz Jorge B. Dias
Geógrafo - Mestre em Sustentabilidade de Ecossistemas
Prof. Auxiliar I de Geografia Física - UEMA\CESI\DHG
Na atualidade, muito se tem especulado sobre a necessidade de reconhecimento das tipologias de espaços geográficos como subsídio técnico e científico para o planejamento territorial. Na verdade, esse tipo de informação é considerado essencial para a consolidação de investimentos, tal como a sua indicação de inviabilidade.

Historicamente, as relações entre homem e meio têm se desenvolvido de forma a gerar conflitos de uso e de ocupação. Desde o início do processo de colonização européia no Brasil, o reconhecimento das potencialidades econômicas que o território pré-brasileiro poderia oferecer foi considerado de forma absolutamente salutar para:
a) ocupação dos espaços disponíveis;
b) exploração de recursos naturais;
c) geração de lucros a partir da instalação de cadeias produtivas locais baseadas no cultivo de produtos de primeira necessidade (à época), com vistas ao mercado internacional.

Assim, os esforços de reconhecimento do território da “Colônia” (tanto na zona costeira, quanto no interior) foram quase que paralelamente sendo acompanhados por esforços de povoamento e exploração. Esta, por seu turno, era voltada tanto para a subsistência dos “colonos”[1], quanto para a manutenção dos desejos do mercado europeu.

Os conflitos pelas terras gerados pelos esforços de ocupação e exploração econômica empreendido por iniciativa portuguesa a partir do século XVI tiveram nos indígenas as suas primeiras materializações. Longe de ser pacífica, a relação conflituosa e desigual entre colonizador e colonizado acabou por elaborar um quadro social de exclusões e compensações, tudo em função de modus operandi diferenciados. Os massacres das sociedades nativas a partir do litoral ou sua conseqüente “expulsão” desse tipo de ambiente forçou a ambos os conjuntos de “agentes sociais” a repensarem seus processos de ocupação. Daí surgem as primeiras fronteiras, que antes de serem econômicas, já eram de natureza social.
Destarte, as ocupações, restritas ao conjunto de espaços costeiros da Faixada Atlântica Sul-Americana até os fins do século XVI, vertem-se para o reconhecimento de outros espaços, mais interiorizados e, por isso mesmo, absolutamente passíveis de neles serem encontrados novos recursos que gerariam novas “fronteiras”. É nesse sentido que são desenvolvidas as “Entradas” e “Bandeiras” e o desvendamento das potencialidades dos “sertões” a partir de múltiplos espaços adjacentes ao litoral, seja seguindo cursos de rios, seja acompanhando traçados de relevos diferenciados, seja simplesmente seguindo espaços vastos de planícies inundáveis, que seriam denominadas de bajadas, ou seja, baixadas.
A história da construção territorial, a partir de então, segue a partir do binômio reconhecimento do território e desenvolvimento de atividades econômicas. As explorações econômicas do território originaram correntes de povoamento e correntes de povoamento geraram explorações econômicas do território. Isso se fez presente nos séculos posteriores, em que pesem as características de “marchas para o Oeste” que se pautaram no Brasil em diferentes períodos, do século XVII ao século XX. Embora houvesse, para cada período, conjunturas tecnológicas, sociais, econômicas e políticas heterogêneas, os esforços de compreensão das potencialidades territoriais sempre estiveram ligados à necessidade de expansão e fronteiras, tanto políticas, quanto econômicas, o que permitiu e (continua permitindo) a dominação dos espaços disponíveis.
Por fim, é impossível desenvolver quaisquer que sejam os esforços para planejar e ordenar territórios no Brasil sem considerar o elemento-binômio "formação e constituição espacial". Dessa maneira, esse trabalho objetivou, de forma bastante simplificada e resumida, levar ao leitor uma perspectiva de como o espaço brasileiro foi-se constituindo nos últimos séculos e o que isso tem a ver com a história contemporânea nacional. Fatos de grande importância para a compreensão do que é o nosso País.
[1] Ab’Sáber (2003, p. 203) afirma que “[...] a esses modestos povoadores que se multiplicaram pelas solidões das regiões serranas florestais do Brasil Atlântico é que se deve a ocupação efetiva de muitas áreas segregadas, distantes umas das outras, as quais através dos séculos ficaram mais ou menos à margem dos caminhos de circulação mais geral, atirados aos seus próprios recursos e à sua própria sorte, garantindo a sua subsistência à custa de uma produção polimorfa. Na realidade, frente às implicações da segregação e o triste isolamento, tinham que fabricar ou produzir desde a alimentação de que necessitavam, assim como a sua equipagem agrária, sua roupagem grosseira, para não falar das suas modestas habitações caboclas, feitas na maior parte das vezes de troncos de árvores e paus entrelaçados calafetados irregularmente com barro e recoberto de palha seca [...]”.

BREVES NOTAS SOBRE CONCEITOS INDISPENSÁVEIS EM GEOMORFOLOGIA

Prof. MSc. Luiz Jorge B. Dias
Geógrafo - Mestre em Sustentabilidade de Ecossistema
Prof. Auxiliar I de Geografia Física - UEMA\CESI\DHG

A configuração geomorfológica é uma das parcelas mais notáveis do espaço total regional, devendo ser compreendida em função, ao primeiro momento, de sua estruturação litoestratigráfica (conforme os ambientes geológicos onde são encontradas tais formações); e em um segundo momento, de suas porções superficiais, representadas pelas variações pedológicas, coberturas vegetais, condicionantes (elementos) de tempo e clima, hidrografia e distribuição de vertentes e seus respectivos canais de escoamento, áreas de estocagem hídrica, além das antropogêneses.

Estas (as antropogêneses), por seu turno, são compreendidas como os processos de modelagem da superfície da Terra em que pesam as forçantes (condicionantes) das ações humanas como indutoras das mudanças ao longo da estrutura superficial da paisagem (DIAS, 2004). Dessa maneira, as transformações ambientais físicas e ecológicas estão relacionadas à disponibilidade de tecnologias viáveis para a apropriação (ou criação) de novos espaços, quanto pelo desejo de ocupar novas áreas (DIAS et. al., 2005; DIAS, 2006), a fim de se estabelecer novos elementos a serem enquadrados em índices econômicos (valores) de uso e troca de terra ou solo[1] (CASSETI, 1995).
Para Muehe (2002, p. 191), a evolução morfodinâmica é
[...]geralmente o resultado de uma longa interação entre tectonismo, litologia e
clima, [e] pressupõe, para sua compreensão, a reconstituição paleogeográfica da
área considerada. A compreensão desta evolução pode, muitas vezes, fornecer
importantes indicações para a inferência da evolução futura, ou para melhor
avaliar a representatividade de uma tendência evolutiva, observada num curto
espaço de tempo [...].

Portanto, é importante na compreensão dos fatos geomorfológicos, que sejam analisadas as interações entre os elementos endógenos e exógenos, com a finalidade de se analisar as tendências evolutivas das geoformas. Nesse sentido, Ross (2003, p. 26-27) ressalta que os conceitos que melhor fazem compreender o modelado terrestre são os de morfoestrutura e morfoescultura.
O primeiro diz respeito à estrutura mórfica e geológica do terreno, geralmente referenciando-se a embasamentos estruturais (cristalinos e/ou sedimentares). As plataformas, as cadeias orogenéticas (sejam os maciços antigos ou modernos) e as bacias sedimentares (ou seja, áreas de diferentes idades e composições litoestratigráficas) são classificadas como exemplos bem práticos de domínios geológicos (ROSS, 2003). Portanto, nessa perspectiva é impossível estudar o modelado da superfície da Terra sem que haja uma inter-relação concepto-pragmática entre os fatos geomorfológicos e as ações geológicas (morfoestrutura) e climáticas nele atuantes (morfoescultura).
Ross (2001, p. 33-35) destaca que a Terra, geológica e geomorfologicamente, pode ser dividida em vários domínios, denominados de “macroformas estruturais”[2]. Ab’Sáber (2001a) ressalta a necessidade da orientação de estudos integrados à compreensão do que convencionou denominar de megageomorfologia do território brasileiro[3], os quais possuem a finalidade de reconhecimento integrado dos caracteres intrínsecos do modelado terrestre em determinadas porções territoriais, sejam elas de pequenas, médias ou grandes extensões territoriais.
Esse direcionamento metodológico (o da megageomorfologia) é absolutamente importante para o planejamento territorial e deve ser enquadrado na aplicação de instrumentos técnico-científicos como os Zoneamentos Ambientais. Outrossim, ao passo que são conhecidos os fatos geomorfológicos estruturais e esculturais em escalas mais contingentes, fazem-se necessários desenvolvimentos de estudos sobre as realidades regionais (mesoescalares).

Às macroformas estruturais se associam os aspectos esculturais do relevo (a morfoescultura), ou seja, à “disposição” que determinada região (ou província geológica, em função de suas formações e configurações litológicas) tem de ser modelada conforme os domínios climáticos locais ou regionais, gerando formas diferenciadas, em heterogêneas áreas de cobertura climática, isto, obviamente, através do tempo geológico (AB’SÁBER, 1971; BIGARELLA et. al., 2003). O conceito de domínios morfoclimáticos dá ênfase maior a essa concepção analítica, a morfoescultura, já que este trabalha a ação do clima sobre o relevo, seu processo de desgaste, intemperização, erosão e deposição sedimentar. Em outros termos,

[...] o conceito de morfoescultura volta-se, portanto, às feições do relevo
produzidas ma terra pela ação dos climas atuais e pretéritos e que deixam marcas
na superfície do terreno, específicas de cada processo dominante. [...] Isso
significa que sobre uma determinada morfoestrutura pode-se encontrar uma ou mais
unidades morfoesculturais, ou, ao contrário, em duas ou mais unidades
morfoestruturais pode-se encontrar apenas uma unidade morfoescultural [...]
(ROSS, 2003, p. 40).

O processo de morfodinâmica (dinâmica do modelado geomorfológico) de paisagens em função de denudações de terrenos e seus conseqüentes processos de morfogênese (origem das formas) e pedogênese (origem de tipos diferenciados de solos) tendem a ser mais significativos em regiões intertropicais, principalmente úmidas e superúmidas. Contudo, deve-se ressaltar que, para efeitos de uma abordagem compreensiva e integral sobre o modelado em domínios climáticos diferenciados, é imperativa a concatenação analítica de elementos morfoesculturais e morfoestruturais.
[1] Geograficamente, terra se relaciona a espaços ocupados em áreas rurais e solo àqueles utilizados, usufruídos ou ocupados em áreas urbanas (DIAS, 2004).

[2] A divisão da Terra em vários domínios está condicionada às características litoestratigráficas dispostas em unidades territoriais homogêneas.

[3] Para Ab’Sáber (2001a, p. 71), “[...] no caso específico da expressão megageomorfologia existe, acima de tudo, a oportunidade de exercitar a transdisciplinaridade, por meio de uma preocupação de integrar conhecimentos disponíveis de ordem macrorregional, regional ou sub-regional significantes. Trata-se de sintetizar, seletiva e hierarquicamente, os fatos essenciais da geomorfologia de grandes extensões territoriais, com ênfase em áreas de primeira ordem de grandeza espacial. No entanto, como a geomorfologia de um país, por menor que ele seja, depende de vastos envoltórios, é possível realizar estudos megageomorfológicos centrados em espaços territoriais aparentemente de pequena extensão. Mesmo porque para bem conduzir estudos geológicos e geomorfológicos não é possível cingir-se a espaços administrativos nacionais ou provinciais [...]”.

terça-feira, 30 de março de 2010

TEORIA E PRÁTICAS AMBIENTAIS NA BACIA DO BACANGA (SÃO LUÍS – MA)

Prof. MSc. Luiz Jorge B. Dias
Geógrafo - Mestre em Sustentabilidade de Ecossistemas
Prof. Auxiliar I de Geografia Física - UEMA\CESI\DHG
Atualmente, os debates sobre as temáticas ambientais são dos mais difundidos e compartilhados socialmente. Todas as esferas de Poderes Públicos, bem como todas as classes sociais, já se inseriram nas discussões sobre o “futuro do Planeta”. Embora as discussões sejam acaloradas, ainda existe um largo abismo entre teorização e práticas socioambientais.

Não há avanços pragmáticos sem bons conceitos correlacionados. Assim, quando se fala em ambiente, deve-se remeter a todo um conjunto de elementos e sistemas físicos, ecológicos e sociais, compreendidos de forma indissociável. Sem isso em mente, não há como desenvolver quaisquer intervenções orientadas ao ordenamento territorial, tendo em vista a melhoria da qualidade de vida da população.

Nos últimos 20 anos, o Brasil tem evoluído bastante nas concepções e métodos práticos de Avaliação de Impactos Ambientais, sendo um dos maiores produtores desse tipo de conhecimento no mundo. As três principais linhas de atuação prática na identificação e proposição de tecnologias de mitigação de danos ambientais em curso são: 1) identificação dos riscos ambientais físicos, ecológicos e sociais, com propostas de melhoria da qualidade de vida da população; 2) minimização das perturbações ambientais em ecossistemas naturais, agrários e urbanos e; 3) implementação de tecnologias que promovam o desenvolvimento endógeno, ou seja, conciliação do desenvolvimento econômico local, com a conservação da natureza.

Baseados nesses três pilares é que o Programa de Recuperação Ambiental e Melhoria da Qualidade de Vida da Bacia do Bacanga, em seus três componentes, foi desenvolvido pela Prefeitura Municipal de São Luís (PMSL). A concepção de que componentes diversos integrados em um mesmo e real esforço de planejamento territorial é algo inovador no que tange à requalificação urbana, tanto em seus quesitos conceituais, quanto de intervenções práticas. Ao serem coadunados elementos políticos e, sobretudo, técnicos de Gestão Municipal de Desenvolvimento Econômico Local, Água e Saneamento, Urbanização e Meio Ambiente, como o são nesse Programa da Prefeitura Municipal de São Luís, a possibilidade de encarar as melhorias das condições de vida de uma população superior a 260.000 pessoas deixa de ser especulação e se transforma em realidade.

Em especial, no que tange às temáticas ambientais do Programa aqui apresentado, é importante frisar que elas não são apenas elementos acessórios de algo maior. Na verdade, todo esse esforço de planejamento e de intervenções já se configura como uma readequação socioambiental, tendo em vista a diminuição de riscos naturais, de alagamentos, de expansão de vetores de doenças infecto-contagiosas e, principalmente, proteção dos recursos naturais e de seus serviços ambientais, como aclimatação, controle térmico, proteção de áreas de recarga de aqüíferos (compartimentos d’água subterrâneos e estratégicos para a gestão e uso dos recursos hídricos), manutenção da biodiversidade e contenção de impactos ambientais provenientes da zona urbana e que se direcionam para o Parque Estadual do Bacanga.

Por fim, a compreensão dessa totalidade de fatos permite ao Município de São Luís desenvolver um corpo metodológico de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento sustentável de sua população, extensível a todas as demais bacias hidrográficas da Capital Maranhense. A compreensão da dinâmica espacial e das problemáticas socioambientais dentro de um mosaico urbano e de unidades de paisagem tão diverso como a Bacia do Bacanga contribui para a implementação correta e coesa de atividades tão necessárias para a materialização do seu ordenamento territorial, com respeito à cidadania.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

COMENTÁRIOS SOBRE A SITUAÇÃO AMBIENTAL DA LAGUNA DA JANSEN (SÃO LUÍS - MA)

Prof. MSc. Luiz Jorge Dias
Geógrafo - Mestre em Sustentabilidade de Ecossistemas
Prof. Auxiliar I de Geografia Física - UEMA\CESI\DHG

Considera-se que o entendimento de toda e qualquer área da superfície da Terra depende, logicamente, de um reconhecimento integrado de elementos físicos (naturais), ecológicos (biológicos) e humanos (sociais), bem como de suas associações, que, em conjunto, configuram ambientes dotados de características peculiares de/para identificação.

No caso específico da Laguna da Jansen, espaço situado na porção Noroeste da Ilha do Maranhão (popularmente denominada “Ilha de São Luís”), há uma série de fatos importantes que devem ser reconhecidos para melhor compreensão das inter-relações ambientais estabelecidas em seu espaço total, quais sejam:

  1. Laguna é um ambiente semi-fechado, que possui contato direto com o mar por um canal de dimensões reduzidas, em comparação à área de armazenamento das águas (bacia lagunar). Suas águas tendem a ser salobras ou salgadas, o que depende da disponibilidade de água doce que porventura possa entrar no sistema ambiental laguna.Sua morfogênese (origem das formas de relevo) pode estar relacionada a: (I) processos naturais de flutuações do nível do mar (avanços e recuos) no decorrer de séculos a poucos milênios, responsáveis pelo barramento de reentrâncias costeiras por restingas (cordões arenosos) que, por influências das ondas, marés e das águas provenientes dos terrenos mais elevados permitem a configuração de um canal de ligação entre o corpo hídrico em si (laguna) e o mar. Neste caso, a estrutura das comunidades bióticas (ou dos seres vivos) associadas aos elementos físicos é dotada de originalidades e de potencialidades paisagísticas ímpares, por serem heranças da dinâmica natural das paisagens, compondo, portanto, ecossistemas naturais intimamente interligados, mantenedores de bancos genéticos da fauna e flora associadas naturalmente ao ambiente. No Brasil, vários ambientes lagunares tiveram sua morfogênese relacionada a esse eventos naturais, em que pesem as lagunas do extremo Nordeste do Estado do Maranhão e os sistemas lagunares do Rio de Janeiro, por exemplo; (II) estratégias socioeconômicas de ocupação/incorporação de "novas" áreas (outrora consideradas “insalubres”) pelo incremento dos processos de urbanização, que aconteceram nas proximidades da zona litorânea, responsáveis por uma série de barramentos artificiais, portanto induzidos, de ecossistemas de manguezais e de apicuns, atribuindo a essas paisagens (que eram ecossistemas naturais com estrutura e funcionalidade ecológicas pautadas em longos ciclos – de centenas a milhares de anos – de adaptação biogeográfica) novas características, ocasionadas pelas rupturas dos sistemas ambientais originais, induzidas pelas ações humanas. As obras de engenharia (infra-estruturas físicas) são capazes de permitir que locais deprimidos naturalmente e com presença de canais de drenagem e/ou de marés possam se transformar em ambientes lagunares, ou seja, lagunas. Esses fatos, especificamente, caracterizam a dinâmica de paisagens e conseqüente morfogênese de ambientes lagunares como a Laguna Rodrigo de Freitas (RJ) e, obviamente, a Laguna da Jansen (MA);

Analiticamente, com os barramentos impostos aos ecossistemas naturais (manguezais e/ou apicuns), caso da Laguna da Jansen para a construção da Avenida Ana Jansen (década de 1970), há reestruturações das dinâmicas de paisagens, visíveis, num primeiro momento, a partir do extravasamento lateral das águas, no sentido de ocupar todo o compartimento físico deprimido (bacia). Isso ocorre paralelamente às tentativas de espécies nativas de continuarem a manter seus ciclos vitais estáveis, algo que nem sempre é possível, haja vista a perda das características originais do espaço em questão.

As “novas” condições ambientais, socioeconomicamente induzidas, proporcionam estágios diferenciais de resiliência ambiental, ou seja, da capacidade de resposta às alteração ambientais que uma população (conjunto de indivíduos de uma mesma espécie) tem, o que acaba por gerar desequilíbrios ecológicos, com proliferação e/ou extinções de espécies, desordenadamente, estabelecendo novas relações inter-comunidades (relações inter-específicas), permitindo a saída do sistema ambiental de uma fase climáxica, ou de equilíbrio dinâmico natural, para uma fase de desequilíbrios graves.

Embora ainda sejam necessários estudos sobre a biodiversidade associada à Laguna da Jansen, é conveniente lembrar que o conjunto de espécies animais e vegetais ali estabelecidos não corresponde necessariamente às espécies que originalmente (antes das perturbações humanas) ali se desenvolviam e que as atuais (que podem ser remanescentes) ainda não entraram em estado de clímax, o que provavelmente não ocorrerá, dada as intervenções no entorno daquele espaço que continuam a interferir nos sistema ambiental induzido da Laguna.

O desequilíbrio ambiental na Laguna da Jansen é incrementado por dois fatos, especialmente: alteração da dinâmica hidrológica local/regional; utilização da bacia lagunar como área de captação de efluentes domésticos e comerciais (esgotos), que proporcionam, em conjunto com a superposição de usos do solo urbano, processos de floração de algas, diminuição do OD (Oxigênio Dissolvido) na lamina d’água e mortandade de fauna associada ao ambiente. Isso responde por dinâmica de eutrofização do ambiente.

A eutrofização, mesmo ocorrendo ocasionalmente em ecossistemas naturais, é bastante típica de ecossistemas perturbados (ou induzidos). Suas conseqüências podem, sim, elevar os índices de fragilidade ambiental local/regional, mas as suas causas estão intrinsecamente voltadas para as intervenções humanas pretéritas e atuais (no caso da Laguna da Jansen, nos últimos 35 anos, com picos de perturbações antropogênicas, ou seja, dos danos provenientes das ações humanas, concentrando-se de meados dos anos 1980 até os presentes dias), em que pesem a instalação e a falta de manutenção corretiva e preventiva dos sistemas de engenharia e infra-estrutura, que devem ser feitas por equipe técnica específica, considerando seu corpus formativo a(engenheiros e técnicos ligados à construção civil, à eletrotécnica e à eletromecânica).

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A água da Amazônia está sendo roubada?

Por Lúcio Flávio . 24.02.10 - 12h37

Estima-se que 1,5 bilhão de seres humanos já não disponham de água suficiente para suas necessidades essenciais. Significa que, de cada 5 habitantes da Terra, um não tem água nem para beber. Esse contingente, que equivale à população do maior país do mundo, a China, vai precisar resolver esse problema vital de alguma maneira. Pela via pacífica ou através da força. A próxima guerra será pela água, anuncia um número crescente de profetas, baseados mais na correlação lógica de fatores do que numa análise minuciosa e específica das situações.

Este é o mesmo método que utilizam para apontar o sítio dessa próxima guerra: a Amazônia. Nada mais lógico: a bacia amazônica, que se espraia por nove países da América do Sul, mas tem dois terços das suas águas drenadas no território do Brasil, representa 68% da massa de água doce superficial do nosso país e de 8% a 25% (conforme as diferentes avaliações) do total do planeta. Sua principal riqueza ou está escondida no subsolo, em depósitos de minérios, ou na sua floresta tropical, um terço do que ainda subsiste sobre a superfície terrestre. E a mais rica em biodiversidade. Um tesouro difícil de ser protegido, sujeito a todas as formas de roubo.
A mais nova seria a do bem mais abundante e de fácil apropriação. Seguidas denúncias, apregoadas pelas vozes mais distintas, têm assegurado que já seria “assustador” o tráfico de água doce da Amazônia para o exterior. O alerta mais recente foi feito no final do ano passado pela revista jurídica Consulex. Ela garantia que algumas empresas já praticam com desenvoltura essa forma de roubo, que já tem denominações como hidropirataria e bioinvasão.
A atividade ilegal estaria sendo praticada por navios com capacidade de armazenar 250 milhões de litros (ou 250 mil metros cúbicos) de água, que uma empresa da Noruega forneceria para clientes na Grécia, Oriente Médio, Ilha da Madeira e Caribe. Por sair pela metade do custo da dessalinização, o roubo de água teria se tornado atraente no comércio com países carentes de água doce superficial.
A matéria da revista é rica em detalhes e conjecturas, mas não o bastante para convencer sobre o que relata, ecoando denúncias já numerosas. Claro que o acervo de água da Amazônia é questão transcendental. Exige atenção, seriedade, prioridade e investimentos. Todos esses elementos são de enorme deficiência atualmente. O Brasil tem mais de 120 comitês de bacia. Só um deles fica na Amazônia e tem ação urbana, na cidade de Manaus. É um despropósito paradoxal com o significado mundial da bacia amazônica.
Os escassos investimentos em manejo de água na região não permitem um conhecimento adequado sobre os seus recursos hídricos. O interesse mundial cresce numa velocidade muito superior à da atenção nacional. Mesmo as denúncias mais detalhadas, como a da Consulex, porém, ainda se revelam meramente especulativas, quando não totalmente fantasiosas. Devem servir de alerta para o problema, se – e quando – ele surgir.
Até agora, não há nenhum caso comprovado de roubo de água amazônica em território nacional, incluindo o mar de 200 milhas. Os grandes navios (1.200 por ano) entram na região em busca de outros recursos naturais, principalmente minérios e madeira, atracando em cinco portos de grande movimentação. Não têm espaço característico – nem tonelagem necessária – para acumular água – e em escala comercial.
A única área que poderia proporcionar essa pirataria é a foz do Amazonas, onde está a maior ilha fluvial do mundo, a de Marajó, com 50 mil quilômetros quadrados. Nela, o grande rio chega a despejar mais de 200 milhões de litros de água por segundo, no auge da cheia. Não há qualquer caso concreto de um superpetroleiro que tenha estacionado nesse local para se abastecer de um volume como os 250 milhões de litros citados. Pode parecer muito, mas esse volume de água equivale a menos de meio segundo de descarga na vazão máxima natural que o rio Tocantins já alcançou no local onde foi construída a barragem da hidrelétrica de Tucuruí, a quarta maior do mundo, em 1980.
Não parece um grande negócio, capaz de justificar o investimento e o risco, ainda que o patrulhamento da costa amazônica seja deficiente (o que induziu no projeto de criação da nova esquadra da Marinha, prevista para ter sua sede em São Luís do Maranhão e não em Belém, como pareceria mais lógico). A Capitania dos Portos do Pará assegura que fiscaliza todos os navios que entram e saem da região e que, por amostragem, acompanha a qualidade da água que carregam em seus porões como lastro. As normas internacionais autorizam essa operação, que constitui prática comum e nada tem a ver com objetivo comercial ou mesmo roubo com objetivo científico.

A água que o Amazonas despeja no Oceano Atlântico é rica em material particulado em suspensão. Mas qualquer pequena coleta pode ser suficiente para um estudo completo sobre o que contém – e isso é feito por meios legais, normais e saudáveis (embora não na escala recomendável). Quanto ao uso para outros fins, pelo menos para a costa dos Estados Unidos, o Amazonas já dá sua contribuição em larga escala – e gratuita. Avançando até 100 quilômetros no oceano, suas águas derivam para o norte pela força da corrente marítima, indo parar no litoral da Flórida.
Se não é para nos roubar água potável (com volumosa quantidade de sólidos em suspensão), então essa pirataria seria para recolher água rica em nutrientes para algum objetivo ainda não identificado (e, talvez, jamais identificável, por irreal). O campo ainda está aberto à imaginação e à especulação. Para delimitá-lo, a melhor atitude para o bem do país é, sem deixar de se manter atento, investir no conhecimento dos nacionais sobre sua própria riqueza.
O Brasil deve acompanhar com atenção e sempre com atualização o que pensam (e o que fazem) os estrangeiros sobre a – e na – Amazônia. Dispondo de mais recursos e com objetivos mais bem definidos, eles podem servir de espelho para refletir melhor o que os brasileiros e, em particular, os amazônidas, nem sempre conseguem ver, por falta de meios humanos, técnicos e científicos equivalentes.
O mais importante, porém, é saber e acompanhar o que os próprios nacionais pensam ou fazem, em numerosos casos dilapidando os recursos naturais ou os utilizando de forma irracional. Campeão em estoque de água doce do mundo, o Brasil é medíocre no seu manejo. Em Belém, que, por sua localização, serve de porta de entrada da Amazônia, um dos problemas que sua população – de quase 1,5 milhão de habitantes – enfrenta é a falta de água boa para beber, apesar da vasta massa que forma o estuário onde ela se situa. Este é o triste paradoxo atual, cuja visualização e compreensão as sempre vivas teorias conspirativas dificultam.
Texto disponível no site: http://colunistas.yahoo.net/posts/521.html. Acesso em: 24/02/2010.