terça-feira, 27 de dezembro de 2011

GEOGRAFIA E GEOECOLOGIA: UMA POSIÇÃO REFLEXIVA NECESSÁRIA

Prof. MSc. Luiz Jorge Dias
Geógrafo - Mestre em Sustentabilidade de Ecossistemas

A evolução científica e tecnológica observada e desenvolvida mundialmente entre os fins do século XIX e meados do XX possibilitou com que houvesse acúmulos sucessivos de métodos e técnicas norteadores de pesquisas nas mais diversas áreas do conhecimento humano. Nesse tempo houve, ainda, o enquadramento das ciências e disciplinas em eixos temáticos, como, por exemplo, as Ciências Humanas e Sociais, as Ciências Biológicas ou da Vida e as Ciências da Terra ou da Natureza. Cada qual foi dotado de características que os individualizaram enquanto grupos epistemológicos, o que concorreu para a fragmentação do conhecimento humano.

Com o advento dos paradigmas da complexidade científica e, por conseguinte, das possibilidades de inter-relações conceituais e pragmáticas entre os diversos tipos de ciências e disciplinas a elas associadas, houve a formatação do que se conveniou chamar de transdisciplinaridade (MORIN, 200-). Esse “paradigma” evidencia a necessidade de articulação de múltiplos saberes e posturas técnico-científicos para a melhoria das pesquisas científicas, tanto em seus atributos conceituais, quanto nos métodos e técnicas empregados na realização dos exercícios de compreensão da realidade.

Hoje, por exemplo, é impossível que um geógrafo desenvolva suas atividades profissionais sem lançar mão de atributos conceituais (e mesmo metodológicos) de suas disciplinas e ciências afins. É o caso das incursões da Geografia pela Geomorfologia, que, para a obtenção de parâmetros que mais bem expliquem os condicionantes materiais e processos atinentes aos sistemas ambientais (que são dinâmicos por natureza e definição) para a compreensão dos desnivelamentos da superfície da Terra, exige que o profissional tenha certo domínio sobre conhecimentos de Geologia, Climatologia, Pedologia, Biogeografia, Hidrologia, Ecologia, Uso e Ocupação (Ordenamento Territorial) e Economia (todos compreendidos sob dois pontos de vista distintos e complementares: o regional e o local). Obviamente que o geógrafo – geomorfólogo não carece ser geólogo, climatologista, ecólogo ou economista para entender que atributos conceituais e epistemológicos desses “fragmentos” da Ciência (ou do conhecimento humano lato sensu) podem (e devem) enriquecer as suas interpretações da realidade.

Na verdade, essas inter-relações de conhecimentos são basilares para que haja a compreensão da realidade de uma forma mais abrangente e não necessariamente setorizada. O paradigma da transdisciplinaridade é um atributo epistemológico indispensável ao desenvolvimento científico no século XXI. É a partir dessa visão de mundo, mais holística e dinâmica, que a totalidade se apresenta como um conjunto de fatos e fenômenos manifestados em certo espaço geográfico, cujos objetivos científicos passíveis de pesquisa para o seu reconhecimento devem partir da integração concepto-pragmática de abrangência, sem a perda da substância norteadora da ciência ou disciplina atribuída como ponto de partida da investigação/pesquisa.

Nesse sentido, a Geoecologia se apresenta como uma linha de pesquisa desenvolvida timidamente ainda na primeira metade do século passado, com Carl Troll. Seus objetivos residem na possibilidade analítica de inter-relacionamento entre os conhecimentos ecológicos e a Geografia Física, na época em franco desenvolvimento na Europa e nos Estados Unidos, por exemplo. Suas bases foram assentadas no conceito de ecossistema, que foi estabelecido e difundido pelo botânico inglês Arthur Tansley em 1935 (AB’SÁBER, 2006) em artigo intitulado The use and abuse of ecological terms (“O uso e abuso de termos ecológicos”).

Mesmo com grande quantidade de informações e de métodos de trabalho, a Geoecologia não foi muito difundida em compêndios científicos, em especial no Brasil. A literatura disponível é abundante, ao mesmo passo que dispersa, e é imperativo que haja uma retomada nos círculos e currículos acadêmicos das Geociências (em especial na Geografia) de tão importante disciplina, que foi sublimada pelos embates conceituais entre a Geografia Renovada/Marxista e a Geografia Teorética/Quantitativa em fins da década de 1970.

Essa colisão de ideais foi tão danosa à Geografia que acabou por setorizar e engessar definitivamente os dois blocos antagônicos dessa ciência: de um lado a Geografia (“dita”) Física, responsável pela compreensão dos elementos, fenômenos e processos naturais; e, de outro, a Geografia (“dita”) Humana, que passou a enfatizar apenas as atividades humanas em suas abordagens. Ambas se dissociaram em substância epistemológica, uma vez que a Ciência Geográfica é, por natureza e definição, inter-relacional, uma vez que investiga e se esforça para compreender as relações entre os componentes/elementos naturais e humanos das paisagens, espaços e territórios dispostos sobre a Terra.

A carência de parâmetros analíticos que envolvessem elementos humanos na compreensão dos espaços naturais levou a uma perda significativa de originalidade e holismo científico à Geografia (“dita”) Física. Por conseguinte, a exclusão total de elementos da natureza nas abordagens geográficas que evidenciam as ações humanas, desenvolvidas em pesquisas da Geografia (“dita”) Humana, proporcionaram uma perda considerável de metodologias de trabalho e de campo de atuação profissional do geógrafo.

Diga-se de passagem, a setorização das disciplinas geográficas foi tão marcante entre as décadas de 1970 e de 1990 que a Geoecologia praticamente foi “pulverizada”, bem como a Biogeografia, que passou a ser tratada como um mero apêndice da Ecologia de Ecossistemas e de Biomas dentro das abordagens geográficas. A cobertura vegetal, por exemplo, passou a ser foco de análise secundária dentro das abordagens da Geografia Física, em especial nas análises desenvolvidas em Geomorfologia. Entretanto, ela, como está associada à Ecologia, deveria ser trabalhada pela Geoecologia, e não como elemento conceitual acessório da Geografia Física.

Apenas no final da década de 1990, com o desenvolvimento de projetos nacionais de grande vulto, como o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) e o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro Integrado (PNGC-II), para serem citados os mais importantes, é que a Geoecologia passou a ser suscitada, mas infelizmente não pela Geografia, mas pelas novas exigências cartográficas impostas pelo advento das Geotecnologias. Os conceitos e métodos geoecológicos foram utilizados para o desenvolvimento de uma Cartografia de Síntese Ecológica, voltada para o Planejamento Ambiental. Em outros termos, ela foi aproveitada para o desenvolvimento de trabalhos que visavam a identificação das unidades de paisagem de certa região geográfica, onde fossem passíveis de distinção os atributos de uso e ocupação dos espaços disponíveis, bem como as possibilidades de intervenções políticas e econômicas, em especial.

Nenhum comentário:

Postar um comentário