terça-feira, 27 de dezembro de 2011

REFLETINDO SOBRE CLIMATOLOGIA NUMA PERSPECTIVA ESPACIAL

Prof. MSc. Luiz Jorge Dias
Geógrafo - Mestre em Sustentabilidade de Ecossistemas
luizjorgedias@ig.com.br

Drew (2002) afirma que os fenômenos naturais, tais como os ecológicos e humanos, são dinâmicos por natureza e definição. Os estudos sobre o clima devem obrigatoriamente desenvolver a prática da compreensão sistêmica dos fatos geocientíficos, que devem ser compreendidos tanto ao nível estatístico-preditivo, quanto dinâmicos (MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007).

Monteiro (2003, p. 12) reforça a idéia de que é necessário que sejam desenvolvidos estudos sobre a “[...] concepção dinâmica conduzida pelo paradigma do ritmo de sucessão habitual dos estados atmosféricos sobre os lugares [...]”. Dessa forma, o ritmo ao qual se refere o autor é uma condicionante para a explicação das causas do que se convencionou denominar de “imprevisibilidades”. É a sua análise quem irá definir como se processam as flutuações dos estados atmosféricos, bem como proporcionará a previsão mais adequada das condições de mudanças dos índices de precipitação, aumento ou diminuição da temperatura e umidade, bem como avanço ou retração de ecossistemas, regiões naturais e/ou domínios de natureza.

A análise rítmica em Climatologia é um condicionante indispensável para a compreensão dos espaços passíveis de planejamento, uma vez que a compreensão dos padrões climáticos e de suas variações são condições sine qua non do ordenamento territorial. Em outros termos, sem a compreensão dos ritmos climatológicos (ou climáticos) não há possibilidades reais concretas de se planejar adequadamente os diversos tipos de uso e ocupações humanas em áreas as mais heterogêneas possíveis.

Oliveira (2008) afirma que a compreensão e análise dos sistemas climáticos dependem, categoricamente, do entendimento da atmosfera, da hidrosfera, da criosfera, da superfície terrestre e das coberturas vegetais. Em conjunto, esses macro-elementos devem ser analisados em conjunto e, obviamente, tal sistema evolui ao longo do tempo, o que significa dizer que ele obtém ritmos (processos) homogêneos e heterogêneos, indicados por padrões de precipitação, de mudanças no albedo (ou reflectância da radiação solar dos diversos ambientes e formas), de aumento do calor ou da dissipação de energia calorífero, aumento ou diminuição de gases-estufa.

Para tal, obrigatoriamente necessitamos nos embasar em conceitos sólidos o suficiente para nos sustentar em termos de argumentações possíveis e viáveis. E os principais conceitos em Climatologia Geográfica devem ser pautados nas concepções clássicas acerca de “tempo” e “clima”, conforme seguem:
  • Tempo: “[...] estado médio da atmosfera numa dada porção de tempo e em determinado lugar [...]” (AYOADE, 2001, p. 02);
  • Clima: “[...] síntese do tempo em um dado lugar durante um período de aproximadamente 30 – 35 anos. O clima, portanto, refere-se às características da atmosfera inferidas de observações contínuas durante um longo período [...]” (AYOADE, 2001, p. 02);
Entretanto, novas concepções se inserem nas discussões atuais, as quais são bastante evidentes as análises dos componentes ambientais, em que o homem aparece como um “indutor” de mudanças. Para Mendonça e Danni-Oliveira (2007, p. 15),

[...] a Climatologia constitui o estudo científico do clima. Ela trata dos padrões de comportamento da atmosfera em suas interações com as atividades humanas e com a superfície do Planeta durante um longo período de tempo. Esse conceito revela a ligação da Climatologia com a abordagem geográfica do espaço terrestre, pois ela se caracteriza em um campo do conhecimento no qual as relações entre a sociedade e a natureza configuram-se como pressupostos básicos para a compreensão das diferentes paisagens do Planeta e contribui para uma intervenção mais consciente na organização do espaço [...]

Segundo essa reflexão, podem ser caracterizados três pressupostos indispensáveis à compreensão geográfica dos climas:

  • Clima e atividades humanas: frente a tantas discussões disseminadas nos meios científicos e informacionais acerca da participação das atividades humanas nas mudanças ambientais (em que pesem as climáticas), é indispensável que nas reflexões teóricas e pragmáticas da Climatologia Contemporânea os tipos de climas e suas características sejam abordados em consonância com a compreensão das atividades humanas historicamente desenvolvidas, sustentando modos de produção diversos e como elas são ou podem ser consideradas climatogenéticas;
  • Clima, paisagens e espaços: é evidente que uma das principais funções das Geociências é a identificação de características físicas, ecológicas e humanas, que, em conjunto, apresentam a possibilidade de enquadramento de parcelas da Terra em áreas mais ou menos homogêneas, o que permite a classificação das tipologias de espaços geográficos. Quando se discute o problema das classificações das tipologias climáticas ou da cobertura vegetal de um espaço ou região, é aconselhável que se insiram dados/informações sobre os climas locais e regionais, para uma melhor identificação dos padrões de paisagens observados. Assim, as paisagens (ou seja, aquilo que é passível de se abarcar com a visão) e os espaços (as paisagens em movimento contínuo) dependem da Climatologia para serem reconhecidos e estudados em sua totalidade geocientífica;
  • Clima e organização do espaço: um dos principais trabalhos do profissional das Geociências é o de entender a organização atual e pretérita dos espaços e paisagens para poder elaborar cenários de uso e ocupação, por exemplo. Nesse sentido, existem (ou coexistem) em um mesmo local ou em uma mesma região organizações heterogêneas dos espaços geográficos, onde são superpostos os espaços humanos (sistemas urbanos, agroecossistemas) sobre os ecológicos (remanescentes de florestas ou de cerrados, por exemplo, na forma de enclaves vegetacionais) e sobre os naturais (em que são evidenciados as diferenças das formas de relevo, os tipos de rochas, as variações dos solos, dentre outros, os quais são – ou podem ser – respostas às atuações climáticas atuais ou anteriores ao presente). Assim, entender a organização dos espaços geográficos (e das paisagens) é analisar a integralidade dos componentes ambientais, com finalidade de proposição de alternativas aos usos e ocupações que não sejam coerentes com as suas características e potencialidades.

A Geografia, por ter campos bem discernidos de atuação (Geografia da Natureza, Geoecologia e Geografia Social), apresenta uma grande aceitabilidade da Climatologia enquanto disciplina correlata aos estudos espaciais, ao passo que fornece a ela um conjunto de análises particularizadas sobre a compreensão dos fatos espaciais integrados em um mesmo contexto. Ademais, a Climatologia permite à Geografia (uma Ciência Humana) um “diálogo” científico claro com as Ciências Exatas e Naturais.

REFERÊNCIAS

AYOADE, J.O.. Introdução à Climatologia para os trópicos. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 332 p.

DREW, David. Processos interativos homem – meio ambiente. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 206 p.

MONTEIRO, Carlos Augusto de Figueiredo. Teoria e clima urbano: um projeto e seus caminhos. In: MONTEIRO, Carlos Augusto de Figueiredo; MENDONÇA, Francisco. Clima urbano. São Paulo: Contexto, 2003. p. 09 – 67.

MENDONÇA, Francisco; DANNI-OLIVEIRA, Inês Moresco. Climatologia: noções básicas e climas do Brasil. São Paulo: Oficina de Textos, 2007. 206 p.

OLIVEIRA, Sonia Maria Barros de. Base científica para a compreensão do aquecimento global. In: VEIGA, José Eli da (org.). São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2008. p. 17 – 54.

PROBLEMAS AMBIENTAIS: UMA NECESSIDADE DE ANÁLISE CONTEMPORÂNEA

Prof. MSc. Luiz Jorge Dias
Geógrafo - Mestre em Sustentabilidade de Ecossistemas
luizjorgedias@ig.com.br

Falar sobre questões ambientais é, antes de tudo, referir-se ao conjunto de associações e inter-relações existentes entre fatores abióticos e bióticos que compõem as paisagens presentes na superfície da Terra, sem que haja a dissonância desses elementos com as sociedades que os utilizam como recursos indispensáveis para sua existência/subsistência. Portanto, as reflexões sobre a presente temática devem versar sobre a impossibilidade de dissociação entre os componentes físicos, ecológicos e humanos.

Uma informação indispensável: não será aqui trabalhada a terminologia “corriqueira” meio ambiente, já que a mesma foi considerada uma redundância, já que, ao nível analítico, meio e ambiente, dependendo da abordagem e do contexto, são sinônimos, conforme explicitam Oliveira e Herrmann (2001, p. 150). A preocupação, pois, é justificar o por quê do uso das terminologias ambiente e problemáticas ambientais como alternativas terminológicas utilizadas neste estudo. Para isso, elucidações conceituais de alguns termos são desenvolvidas a seguir.

Considera-se ambiente o “envoltório” (ART, 1998 apud OLIVEIRA; HERRMANN, 2001) onde se pautam as relações existentes entre os elementos físico-territoriais (como a sua geomorfologia, a rede hidrográfica, a sua dinâmica climática e os solos), somadas a sua biodiversidade/biocenose (que compreende elementos fito e zoogeográficos), além da sociedade que habita ou usufrui desses caracteres citados.

Por problemáticas (ou problemas) ambientais, entender-se-á o conjunto de interferências, danos como um todo, que o homem causa e/ou potencializa sobre os elementos dos ambientes físico, ecológico e mesmo social, em suas várias vertentes gradativas, proporcionando mudanças consubstanciadas nos mesmos. Isso permite concluir que, analiticamente, não sejam tais processos de ordem puramente ambiental, mas socioambiental. Tal argumento é notabilizado pelo aspecto já tradicional com o qual o homem (ou agente antropogênico) observa e utiliza os elementos ambientais (físicos e ecológicos) com a finalidade de transformá-los em recursos ambientais (ou seja, dotados de valores de uso e de troca estabelecidos socioeconomicamente), os quais têm por finalidade o desenvolvimento de atividades que remetam à sua subsistência e manutenção de ciclos econômicos e mesmo de modos de produção.

As antropogêneses, ou interferências causadas e potencializadas pelas ações humanas, podem implicar na origem de dois tipos distintos de danos ou perturbações ambientais: os impactos, ou seja, danos passíveis de reversão a partir de investimentos de múltiplos setores da sociedade, utilizando-se da tecnologia, de conhecimentos e de recursos disponíveis para a mitigação de efeitos adversos a um dado sistema ambiental; e as degradações ambientais, ou perturbações que não são passíveis de reversibilidade ao seu estado climáxico original, uma vez que as antropogêneses têm uma impossibilidade de mitigação muito elevada, inibindo investimentos em virtude dos custos se sobreporem aos benefícios ecológico-econômicos, o que conduz a problemas sociais sérios (DIAS, 2004), comprometendo, ainda, o desenvolvimento de práticas humanas, mesmo aquelas consideradas de caráter “sustentável”.

No dizer de Blaikie e Brookfield (1987, apud GUERRA; CUNHA, 2000, p. 342), “[...] a degradação ambiental é, por definição, um problema social [...]”. E ela, em suas mais heterogêneas manifestações e implicações, somente será passível de reversão quando se resolverem problemas ligados à pobreza e às condições de miséria em que grande parte da população dos países periféricos se encontra (SACHS, 2005).

Aos eventos naturais que causam rupturas gradativas dos sistemas ambientais, denominar-se-á neste estudo de impacto, puramente, uma vez que eles são processos dinâmicos continuados que podem causar respostas diversas nos ambientes físicos, bem como nas comunidades ecológicas (biocenoses), mas que seguem rumo a uma manutenção de um “equilíbrio dinâmico”. Ressalta-se, no entanto, que o homem interfere nas diversas paisagens e ambientes do planeta, transformando-os segundo as suas necessidades, explícitas ou não, o que aporta num conjunto de modificações diferenciadas no decorrer do espaço geográfico produzido, do local ao global, onde as escalas de atuação e análises de eventos são fatores condicionantes para um bom diagnóstico dessas “influências” antropogênicas.

Afirma-se, pois, que a gama de desequilíbrios ambientais presentes na contemporaneidade reside na capacidade ora analítica, ora pragmática, de, em termos econômicos e mesmo economicistas, sustentar-se atividades, sem considerar como elemento intrínseco a este processo a sustentabilidade. Há, portanto, problemáticas não somente conceituais, mas, sobretudo, práticas no equacionamento das questões ambientais e econômicas que permeiam as relações humanas em sua totalidade, no intuito inconsciente (ou mesmo inconseqüente) de se produzir espaços para suprir necessidades sociais básicas (DIAS, 2006b).

O meio urbano se destaca como local aonde as problemáticas ambientais se encontram exponenciadas, evidenciando-se que é principalmente nesse conjunto de espaços onde “[...] a desconsideração das causas sociais nos problemas ambientais tem levado, na maioria das vezes, à adoção de medidas que não conseguem resolver os problemas da degradação [...]” (GUERRA; CUNHA, 2000, p. 345). Diz-se mais: pelo fato de se excluir a população não apenas do debate das problemáticas ambientais, mas principalmente pela marginalização de uma grande parcela demográfica no que tange ao acesso a políticas públicas ambientais que remetam a melhorias sociais, é que se tem um quadro degenerativo de índices e de configurações socioambientais.

Contudo, não é somente nos espaços urbanos que as problemáticas ambientais se mostram mais graves. Nas áreas rurais, conflitos de sobreposição de usos dos espaços agrários por múltiplas atividades e interesses, muitas vezes díspares, acabam por provocar danos ambientais irreversíveis em ecossistemas naturalmente frágeis. É o caso, por exemplo, do desenvolvimento de atividades agropastoris associadas à apicultura ou mesmo à piscicultura, sem que haja diagnósticos corretos e coerentes que mencionem as melhores estratégias de produção (ou o que se produz) e de produtividade (ou o que se pode lucrar com a produção) adequadas ao nível local, obviamente com uma proposta de aplicação de critérios que levem à sustentabilidade.

Outros fatos que merecem ser enfocados são os conflitos de uso e ocupação e as disputas pela posse das melhores “áreas produtivas”, que acabam por restringir a terra a uma mercadoria cara e socialmente inacessível, considerada apenas como um local destinado à promoção do crescimento econômico, que leva ao maior aprofundamento dos problemas sociais. Esses são fatos marcantes e que necessitam ser mais bem vistos pela sociedade civil organizada em suas heterogêneas instituições, bem como nos diagnósticos ambientais, como os zoneamentos ambientais, pois há nesse instrumento o objetivo de serem enquadradas providências que possam minimizar embates socioambientais, principalmente em locais ou regiões que são histórica e socialmente bastante vulneráveis, face ao desenvolvimento pretérito de ciclos econômicos bastante perturbadores e excludentes com respostas excludentes na contemporaneidade.

Dessa maneira, os danos ambientais são considerados como produtos de intervenções humanas que, por se materializarem sobre um determinado meio, tendem a “quebrar” o equilíbrio dinâmico das relações físicas e ecogeográficas historicamente estabelecidas, desnorteando estratégias práticas até então utilizadas por algumas parcelas da sociedade (geralmente de classes menos abastadas) para obter seu sustento, interferindo significativamente nas condições de vida de comunidades inteiras, que podem ser tanto de um rancho de pescadores, como de um município inteiro.

Por conseguinte, os danos ambientais, que possuem por sinônimos os termos problemáticas ou perturbações ambientais, não devem apenas ser estabelecidos como resultado de uma concatenação de elementos condicionantes naturais e/ou ecológicos sobre uma comunidade. Eles devem ser reconhecidos como uma integração de relações e dinâmicas articuladas com o espaço social produzido. Contudo, não se pode levar sempre à centralidade do tema o elemento homem, pois há uma conexão de todos os elementos que compõem o ambiente.

Da mesma forma, na análise criteriosa das questões ambientais, não se pode destacar comunidades ou sociedades “desassistidas” como apenas receptores passivos dos problemas criados por “jogos” de interesses políticos e econômicos sobre os ambientes. Isso gera, de fato, conflitos (COELHO, 2001), rupturas dos sistemas físicos, ecológicos e sociais. Mas toda Terra passa por mudanças que são tanto ocasionadas pelas ações dos grandes empreendimentos capitalistas, quanto por suínos revolvendo solos e dificultando a sua produtividade, pelo gado solto nos campos naturais, além da prática da agricultura itinerante, com métodos arcaicos (como a coivara). Essas situações reais manifestam que as atividades econômicas, independente de quais sejam, causam perturbações ambientais e somente o estudo sistemático de cada localidade poderá indicar em quais patamares de danos ambientais encontra-se a área.

De forma complementar, a preocupação analítica acerca dos problemas ambientais pode ser destacada no contexto das relações espaço-temporais entre uma sociedade que habita e se relaciona (social, cultural, econômica, política e ambientalmente) em um certo território e os elementos geológico-geomorfológicos e hidrológicos, além de geoecológicos, que derivam numa proposta mais abrangente de reconhecimento dos elementos/recursos ambientais que podem sustentar as atividades humanas, com manejos adequados.

Por conseguinte, todos e quaisquer tipos de aproveitamentos ambientais levam em si uma consideração clara de suprimento de necessidades humanas, sejam elas específicas para um pequeno ou grande grupo de consumidores, ao sabor do modo de produção vigente e sobre a realidade e as demandas socioculturais em questão. Em vista disto, a racionalidade ambiental é bastante exigida atualmente, ao menos ao nível conceitual e em algumas comunidades ou conjuntos destas, o que deve ser enquadrado, também, nos estudos ambientais, como nos esforços de zoneamento.

Ademais, a racionalização ambiental implica em sustentabilização ambiental, um equilíbrio entre as necessidades humanas, a extração e o consumo de recursos disponíveis (LEFF, 2001). A isto se atrelam, também, características multi-setoriais que vislumbram um conjunto de relações geossociais, numa “[...] superestrutura ideológica, onde as relações jurídico-políticas e as ideológico-culturais subdividem-se em relações econômico-sociais (forças produtivas e relações de produção) [...]” (CAVALCANTI; RODRIGUEZ, 1997, p. 15).

Trabalhar as questões ambientais é, claramente, trabalhar relações, associações, interações e integrações entre elementos formadores de um ambiente (aspectos físicos/naturais, ecológicos e humanos/sociais). São elas que indicarão os graus de influências que o homem pode exercer sobre si mesmo, além do estabelecimento de suas atividades sobre um substrato físico-ecológico. Aí se encontra um meio socioambiental, ou seja, um aparato de análise que tende a ser integral, estruturando fatores espaciais que geram atividades (degradantes/impactantes, mas que bem podem ser de mitigação de danos).

Isso pode ser bem reproduzido pelos estudos, que se tornam convergentes, em função de um modus operandi de campos diferenciados de concepção da realidade, que se vertem a objetivos únicos, mas não unitários (BOURDIEU, 1998), como os de ordem ambiental. O espaço municipal, então, é um excelente campo de análise do que vêm a ser as relações sociais e ambientais. O ambiente, então, se torna visivelmente passivo em relação aos instrumentos tecnológicos e científicos (CASSETI, 1995), que estão em prol de um aparato informativo/informacional.

GEOGRAFIA E GEOECOLOGIA: UMA POSIÇÃO REFLEXIVA NECESSÁRIA

Prof. MSc. Luiz Jorge Dias
Geógrafo - Mestre em Sustentabilidade de Ecossistemas

A evolução científica e tecnológica observada e desenvolvida mundialmente entre os fins do século XIX e meados do XX possibilitou com que houvesse acúmulos sucessivos de métodos e técnicas norteadores de pesquisas nas mais diversas áreas do conhecimento humano. Nesse tempo houve, ainda, o enquadramento das ciências e disciplinas em eixos temáticos, como, por exemplo, as Ciências Humanas e Sociais, as Ciências Biológicas ou da Vida e as Ciências da Terra ou da Natureza. Cada qual foi dotado de características que os individualizaram enquanto grupos epistemológicos, o que concorreu para a fragmentação do conhecimento humano.

Com o advento dos paradigmas da complexidade científica e, por conseguinte, das possibilidades de inter-relações conceituais e pragmáticas entre os diversos tipos de ciências e disciplinas a elas associadas, houve a formatação do que se conveniou chamar de transdisciplinaridade (MORIN, 200-). Esse “paradigma” evidencia a necessidade de articulação de múltiplos saberes e posturas técnico-científicos para a melhoria das pesquisas científicas, tanto em seus atributos conceituais, quanto nos métodos e técnicas empregados na realização dos exercícios de compreensão da realidade.

Hoje, por exemplo, é impossível que um geógrafo desenvolva suas atividades profissionais sem lançar mão de atributos conceituais (e mesmo metodológicos) de suas disciplinas e ciências afins. É o caso das incursões da Geografia pela Geomorfologia, que, para a obtenção de parâmetros que mais bem expliquem os condicionantes materiais e processos atinentes aos sistemas ambientais (que são dinâmicos por natureza e definição) para a compreensão dos desnivelamentos da superfície da Terra, exige que o profissional tenha certo domínio sobre conhecimentos de Geologia, Climatologia, Pedologia, Biogeografia, Hidrologia, Ecologia, Uso e Ocupação (Ordenamento Territorial) e Economia (todos compreendidos sob dois pontos de vista distintos e complementares: o regional e o local). Obviamente que o geógrafo – geomorfólogo não carece ser geólogo, climatologista, ecólogo ou economista para entender que atributos conceituais e epistemológicos desses “fragmentos” da Ciência (ou do conhecimento humano lato sensu) podem (e devem) enriquecer as suas interpretações da realidade.

Na verdade, essas inter-relações de conhecimentos são basilares para que haja a compreensão da realidade de uma forma mais abrangente e não necessariamente setorizada. O paradigma da transdisciplinaridade é um atributo epistemológico indispensável ao desenvolvimento científico no século XXI. É a partir dessa visão de mundo, mais holística e dinâmica, que a totalidade se apresenta como um conjunto de fatos e fenômenos manifestados em certo espaço geográfico, cujos objetivos científicos passíveis de pesquisa para o seu reconhecimento devem partir da integração concepto-pragmática de abrangência, sem a perda da substância norteadora da ciência ou disciplina atribuída como ponto de partida da investigação/pesquisa.

Nesse sentido, a Geoecologia se apresenta como uma linha de pesquisa desenvolvida timidamente ainda na primeira metade do século passado, com Carl Troll. Seus objetivos residem na possibilidade analítica de inter-relacionamento entre os conhecimentos ecológicos e a Geografia Física, na época em franco desenvolvimento na Europa e nos Estados Unidos, por exemplo. Suas bases foram assentadas no conceito de ecossistema, que foi estabelecido e difundido pelo botânico inglês Arthur Tansley em 1935 (AB’SÁBER, 2006) em artigo intitulado The use and abuse of ecological terms (“O uso e abuso de termos ecológicos”).

Mesmo com grande quantidade de informações e de métodos de trabalho, a Geoecologia não foi muito difundida em compêndios científicos, em especial no Brasil. A literatura disponível é abundante, ao mesmo passo que dispersa, e é imperativo que haja uma retomada nos círculos e currículos acadêmicos das Geociências (em especial na Geografia) de tão importante disciplina, que foi sublimada pelos embates conceituais entre a Geografia Renovada/Marxista e a Geografia Teorética/Quantitativa em fins da década de 1970.

Essa colisão de ideais foi tão danosa à Geografia que acabou por setorizar e engessar definitivamente os dois blocos antagônicos dessa ciência: de um lado a Geografia (“dita”) Física, responsável pela compreensão dos elementos, fenômenos e processos naturais; e, de outro, a Geografia (“dita”) Humana, que passou a enfatizar apenas as atividades humanas em suas abordagens. Ambas se dissociaram em substância epistemológica, uma vez que a Ciência Geográfica é, por natureza e definição, inter-relacional, uma vez que investiga e se esforça para compreender as relações entre os componentes/elementos naturais e humanos das paisagens, espaços e territórios dispostos sobre a Terra.

A carência de parâmetros analíticos que envolvessem elementos humanos na compreensão dos espaços naturais levou a uma perda significativa de originalidade e holismo científico à Geografia (“dita”) Física. Por conseguinte, a exclusão total de elementos da natureza nas abordagens geográficas que evidenciam as ações humanas, desenvolvidas em pesquisas da Geografia (“dita”) Humana, proporcionaram uma perda considerável de metodologias de trabalho e de campo de atuação profissional do geógrafo.

Diga-se de passagem, a setorização das disciplinas geográficas foi tão marcante entre as décadas de 1970 e de 1990 que a Geoecologia praticamente foi “pulverizada”, bem como a Biogeografia, que passou a ser tratada como um mero apêndice da Ecologia de Ecossistemas e de Biomas dentro das abordagens geográficas. A cobertura vegetal, por exemplo, passou a ser foco de análise secundária dentro das abordagens da Geografia Física, em especial nas análises desenvolvidas em Geomorfologia. Entretanto, ela, como está associada à Ecologia, deveria ser trabalhada pela Geoecologia, e não como elemento conceitual acessório da Geografia Física.

Apenas no final da década de 1990, com o desenvolvimento de projetos nacionais de grande vulto, como o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) e o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro Integrado (PNGC-II), para serem citados os mais importantes, é que a Geoecologia passou a ser suscitada, mas infelizmente não pela Geografia, mas pelas novas exigências cartográficas impostas pelo advento das Geotecnologias. Os conceitos e métodos geoecológicos foram utilizados para o desenvolvimento de uma Cartografia de Síntese Ecológica, voltada para o Planejamento Ambiental. Em outros termos, ela foi aproveitada para o desenvolvimento de trabalhos que visavam a identificação das unidades de paisagem de certa região geográfica, onde fossem passíveis de distinção os atributos de uso e ocupação dos espaços disponíveis, bem como as possibilidades de intervenções políticas e econômicas, em especial.