sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

COMENTÁRIOS SOBRE A SITUAÇÃO AMBIENTAL DA LAGUNA DA JANSEN (SÃO LUÍS - MA)

Prof. MSc. Luiz Jorge Dias
Geógrafo - Mestre em Sustentabilidade de Ecossistemas
Prof. Auxiliar I de Geografia Física - UEMA\CESI\DHG

Considera-se que o entendimento de toda e qualquer área da superfície da Terra depende, logicamente, de um reconhecimento integrado de elementos físicos (naturais), ecológicos (biológicos) e humanos (sociais), bem como de suas associações, que, em conjunto, configuram ambientes dotados de características peculiares de/para identificação.

No caso específico da Laguna da Jansen, espaço situado na porção Noroeste da Ilha do Maranhão (popularmente denominada “Ilha de São Luís”), há uma série de fatos importantes que devem ser reconhecidos para melhor compreensão das inter-relações ambientais estabelecidas em seu espaço total, quais sejam:

  1. Laguna é um ambiente semi-fechado, que possui contato direto com o mar por um canal de dimensões reduzidas, em comparação à área de armazenamento das águas (bacia lagunar). Suas águas tendem a ser salobras ou salgadas, o que depende da disponibilidade de água doce que porventura possa entrar no sistema ambiental laguna.Sua morfogênese (origem das formas de relevo) pode estar relacionada a: (I) processos naturais de flutuações do nível do mar (avanços e recuos) no decorrer de séculos a poucos milênios, responsáveis pelo barramento de reentrâncias costeiras por restingas (cordões arenosos) que, por influências das ondas, marés e das águas provenientes dos terrenos mais elevados permitem a configuração de um canal de ligação entre o corpo hídrico em si (laguna) e o mar. Neste caso, a estrutura das comunidades bióticas (ou dos seres vivos) associadas aos elementos físicos é dotada de originalidades e de potencialidades paisagísticas ímpares, por serem heranças da dinâmica natural das paisagens, compondo, portanto, ecossistemas naturais intimamente interligados, mantenedores de bancos genéticos da fauna e flora associadas naturalmente ao ambiente. No Brasil, vários ambientes lagunares tiveram sua morfogênese relacionada a esse eventos naturais, em que pesem as lagunas do extremo Nordeste do Estado do Maranhão e os sistemas lagunares do Rio de Janeiro, por exemplo; (II) estratégias socioeconômicas de ocupação/incorporação de "novas" áreas (outrora consideradas “insalubres”) pelo incremento dos processos de urbanização, que aconteceram nas proximidades da zona litorânea, responsáveis por uma série de barramentos artificiais, portanto induzidos, de ecossistemas de manguezais e de apicuns, atribuindo a essas paisagens (que eram ecossistemas naturais com estrutura e funcionalidade ecológicas pautadas em longos ciclos – de centenas a milhares de anos – de adaptação biogeográfica) novas características, ocasionadas pelas rupturas dos sistemas ambientais originais, induzidas pelas ações humanas. As obras de engenharia (infra-estruturas físicas) são capazes de permitir que locais deprimidos naturalmente e com presença de canais de drenagem e/ou de marés possam se transformar em ambientes lagunares, ou seja, lagunas. Esses fatos, especificamente, caracterizam a dinâmica de paisagens e conseqüente morfogênese de ambientes lagunares como a Laguna Rodrigo de Freitas (RJ) e, obviamente, a Laguna da Jansen (MA);

Analiticamente, com os barramentos impostos aos ecossistemas naturais (manguezais e/ou apicuns), caso da Laguna da Jansen para a construção da Avenida Ana Jansen (década de 1970), há reestruturações das dinâmicas de paisagens, visíveis, num primeiro momento, a partir do extravasamento lateral das águas, no sentido de ocupar todo o compartimento físico deprimido (bacia). Isso ocorre paralelamente às tentativas de espécies nativas de continuarem a manter seus ciclos vitais estáveis, algo que nem sempre é possível, haja vista a perda das características originais do espaço em questão.

As “novas” condições ambientais, socioeconomicamente induzidas, proporcionam estágios diferenciais de resiliência ambiental, ou seja, da capacidade de resposta às alteração ambientais que uma população (conjunto de indivíduos de uma mesma espécie) tem, o que acaba por gerar desequilíbrios ecológicos, com proliferação e/ou extinções de espécies, desordenadamente, estabelecendo novas relações inter-comunidades (relações inter-específicas), permitindo a saída do sistema ambiental de uma fase climáxica, ou de equilíbrio dinâmico natural, para uma fase de desequilíbrios graves.

Embora ainda sejam necessários estudos sobre a biodiversidade associada à Laguna da Jansen, é conveniente lembrar que o conjunto de espécies animais e vegetais ali estabelecidos não corresponde necessariamente às espécies que originalmente (antes das perturbações humanas) ali se desenvolviam e que as atuais (que podem ser remanescentes) ainda não entraram em estado de clímax, o que provavelmente não ocorrerá, dada as intervenções no entorno daquele espaço que continuam a interferir nos sistema ambiental induzido da Laguna.

O desequilíbrio ambiental na Laguna da Jansen é incrementado por dois fatos, especialmente: alteração da dinâmica hidrológica local/regional; utilização da bacia lagunar como área de captação de efluentes domésticos e comerciais (esgotos), que proporcionam, em conjunto com a superposição de usos do solo urbano, processos de floração de algas, diminuição do OD (Oxigênio Dissolvido) na lamina d’água e mortandade de fauna associada ao ambiente. Isso responde por dinâmica de eutrofização do ambiente.

A eutrofização, mesmo ocorrendo ocasionalmente em ecossistemas naturais, é bastante típica de ecossistemas perturbados (ou induzidos). Suas conseqüências podem, sim, elevar os índices de fragilidade ambiental local/regional, mas as suas causas estão intrinsecamente voltadas para as intervenções humanas pretéritas e atuais (no caso da Laguna da Jansen, nos últimos 35 anos, com picos de perturbações antropogênicas, ou seja, dos danos provenientes das ações humanas, concentrando-se de meados dos anos 1980 até os presentes dias), em que pesem a instalação e a falta de manutenção corretiva e preventiva dos sistemas de engenharia e infra-estrutura, que devem ser feitas por equipe técnica específica, considerando seu corpus formativo a(engenheiros e técnicos ligados à construção civil, à eletrotécnica e à eletromecânica).

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A água da Amazônia está sendo roubada?

Por Lúcio Flávio . 24.02.10 - 12h37

Estima-se que 1,5 bilhão de seres humanos já não disponham de água suficiente para suas necessidades essenciais. Significa que, de cada 5 habitantes da Terra, um não tem água nem para beber. Esse contingente, que equivale à população do maior país do mundo, a China, vai precisar resolver esse problema vital de alguma maneira. Pela via pacífica ou através da força. A próxima guerra será pela água, anuncia um número crescente de profetas, baseados mais na correlação lógica de fatores do que numa análise minuciosa e específica das situações.

Este é o mesmo método que utilizam para apontar o sítio dessa próxima guerra: a Amazônia. Nada mais lógico: a bacia amazônica, que se espraia por nove países da América do Sul, mas tem dois terços das suas águas drenadas no território do Brasil, representa 68% da massa de água doce superficial do nosso país e de 8% a 25% (conforme as diferentes avaliações) do total do planeta. Sua principal riqueza ou está escondida no subsolo, em depósitos de minérios, ou na sua floresta tropical, um terço do que ainda subsiste sobre a superfície terrestre. E a mais rica em biodiversidade. Um tesouro difícil de ser protegido, sujeito a todas as formas de roubo.
A mais nova seria a do bem mais abundante e de fácil apropriação. Seguidas denúncias, apregoadas pelas vozes mais distintas, têm assegurado que já seria “assustador” o tráfico de água doce da Amazônia para o exterior. O alerta mais recente foi feito no final do ano passado pela revista jurídica Consulex. Ela garantia que algumas empresas já praticam com desenvoltura essa forma de roubo, que já tem denominações como hidropirataria e bioinvasão.
A atividade ilegal estaria sendo praticada por navios com capacidade de armazenar 250 milhões de litros (ou 250 mil metros cúbicos) de água, que uma empresa da Noruega forneceria para clientes na Grécia, Oriente Médio, Ilha da Madeira e Caribe. Por sair pela metade do custo da dessalinização, o roubo de água teria se tornado atraente no comércio com países carentes de água doce superficial.
A matéria da revista é rica em detalhes e conjecturas, mas não o bastante para convencer sobre o que relata, ecoando denúncias já numerosas. Claro que o acervo de água da Amazônia é questão transcendental. Exige atenção, seriedade, prioridade e investimentos. Todos esses elementos são de enorme deficiência atualmente. O Brasil tem mais de 120 comitês de bacia. Só um deles fica na Amazônia e tem ação urbana, na cidade de Manaus. É um despropósito paradoxal com o significado mundial da bacia amazônica.
Os escassos investimentos em manejo de água na região não permitem um conhecimento adequado sobre os seus recursos hídricos. O interesse mundial cresce numa velocidade muito superior à da atenção nacional. Mesmo as denúncias mais detalhadas, como a da Consulex, porém, ainda se revelam meramente especulativas, quando não totalmente fantasiosas. Devem servir de alerta para o problema, se – e quando – ele surgir.
Até agora, não há nenhum caso comprovado de roubo de água amazônica em território nacional, incluindo o mar de 200 milhas. Os grandes navios (1.200 por ano) entram na região em busca de outros recursos naturais, principalmente minérios e madeira, atracando em cinco portos de grande movimentação. Não têm espaço característico – nem tonelagem necessária – para acumular água – e em escala comercial.
A única área que poderia proporcionar essa pirataria é a foz do Amazonas, onde está a maior ilha fluvial do mundo, a de Marajó, com 50 mil quilômetros quadrados. Nela, o grande rio chega a despejar mais de 200 milhões de litros de água por segundo, no auge da cheia. Não há qualquer caso concreto de um superpetroleiro que tenha estacionado nesse local para se abastecer de um volume como os 250 milhões de litros citados. Pode parecer muito, mas esse volume de água equivale a menos de meio segundo de descarga na vazão máxima natural que o rio Tocantins já alcançou no local onde foi construída a barragem da hidrelétrica de Tucuruí, a quarta maior do mundo, em 1980.
Não parece um grande negócio, capaz de justificar o investimento e o risco, ainda que o patrulhamento da costa amazônica seja deficiente (o que induziu no projeto de criação da nova esquadra da Marinha, prevista para ter sua sede em São Luís do Maranhão e não em Belém, como pareceria mais lógico). A Capitania dos Portos do Pará assegura que fiscaliza todos os navios que entram e saem da região e que, por amostragem, acompanha a qualidade da água que carregam em seus porões como lastro. As normas internacionais autorizam essa operação, que constitui prática comum e nada tem a ver com objetivo comercial ou mesmo roubo com objetivo científico.

A água que o Amazonas despeja no Oceano Atlântico é rica em material particulado em suspensão. Mas qualquer pequena coleta pode ser suficiente para um estudo completo sobre o que contém – e isso é feito por meios legais, normais e saudáveis (embora não na escala recomendável). Quanto ao uso para outros fins, pelo menos para a costa dos Estados Unidos, o Amazonas já dá sua contribuição em larga escala – e gratuita. Avançando até 100 quilômetros no oceano, suas águas derivam para o norte pela força da corrente marítima, indo parar no litoral da Flórida.
Se não é para nos roubar água potável (com volumosa quantidade de sólidos em suspensão), então essa pirataria seria para recolher água rica em nutrientes para algum objetivo ainda não identificado (e, talvez, jamais identificável, por irreal). O campo ainda está aberto à imaginação e à especulação. Para delimitá-lo, a melhor atitude para o bem do país é, sem deixar de se manter atento, investir no conhecimento dos nacionais sobre sua própria riqueza.
O Brasil deve acompanhar com atenção e sempre com atualização o que pensam (e o que fazem) os estrangeiros sobre a – e na – Amazônia. Dispondo de mais recursos e com objetivos mais bem definidos, eles podem servir de espelho para refletir melhor o que os brasileiros e, em particular, os amazônidas, nem sempre conseguem ver, por falta de meios humanos, técnicos e científicos equivalentes.
O mais importante, porém, é saber e acompanhar o que os próprios nacionais pensam ou fazem, em numerosos casos dilapidando os recursos naturais ou os utilizando de forma irracional. Campeão em estoque de água doce do mundo, o Brasil é medíocre no seu manejo. Em Belém, que, por sua localização, serve de porta de entrada da Amazônia, um dos problemas que sua população – de quase 1,5 milhão de habitantes – enfrenta é a falta de água boa para beber, apesar da vasta massa que forma o estuário onde ela se situa. Este é o triste paradoxo atual, cuja visualização e compreensão as sempre vivas teorias conspirativas dificultam.
Texto disponível no site: http://colunistas.yahoo.net/posts/521.html. Acesso em: 24/02/2010.